Sangue no baú de cedro
Dona Minervina Ferreira de Menezes abria o baú de cedro , que tinha servido antigamente para guardar o seu fino enxoval de moça bem-nascida. O seu casamento com o mineiro Antonio Hipolyto Pires, comerciante estabelecido em Franca, sua cidade natal,no final do século XIX, foi contratado. Casamento "para se conhecer depois''. Tinha entrevisto o noivo pela treliça que separava a sala do corredor , antes do casamento. Só.
Abria o baú de cedro, de vez em quando, que agora continha o terno de linho e o chapéu, manchados de sangue, do seu filho Antonio e chorava. Lágrimas dolorosas brotavam dos olhos azuis e escorriam no rosto emoldurado pelo cabelo penteado "à la Princesa Isabel".
Nas suas férias do colégio interno, Rosa Bueno iniciara um namoro com Antonio, de dezenove anos, filho de Minervina. A mãe de Rosa, Maria Bueno, uma linda mulher de quarenta anos, vivia de ofertar favores amorosos aos homens da cidade.
Depois que a filha partiu, de volta ao colégio interno,Maria Bueno tratou de consolar o rapazinho e o levou para a sua alcova.
Já mergulhado numa paixão momentânea pela experiente mulher, ele a surpreendeu, um dia, com outro homem na cama. Exasperou-se. Ela o desdenhou, dizendo que ele não tinha renda para bancar o luxo dela. Na família patriarcal de Antonio, o pai comandava os negócios da família , distribuindo o dinheiro de bolso para cada um como achasse justo.
Ferido no seu orgulho, talvez mais pelo dito do que pelo acontecido, já que o amor de Maria Bueno, ele sabia, era do mundo, foi à sua casa, pegou o revólver do pai, sem que ele percebesse.Voltou à casa de Maria Bueno e a matou,no seu quarto. Em seguida, sob o umbral da porta de saída, se suicidou com um tiro no ouvido.
Não sabemos que fim levou o baú de cedro com seu lúgrube conteúdo. Mas a trágica história familiar continuou a ser contada para as gerações posteriores.
( Memórias da Casa Partida)