A crise pegou feio

- Obrigado por ajudar a gente nesta reportagem, Seu Joaquim. O senhor estava falando de lucro, não é mesmo?

- Isso. Antes da crise, eu tirava de quarenta e cinco a cinquenta mil por mês de lucro com a padaria. Agora, meu filho, mal dá para chegar nos vinte ou vinte e cinco mil. Caiu pela metade.

- E o senhor atribui isso a quê, Seu Joaquim?

- Acho que à mentalidade do povo. Tá difícil arrumar gente pra trabalhar, viu? Mesmo fazendo tudo direitinho, pagando o salário mínimo na carteira, tá difícil. Os funcionários vêm trabalhar de cara fechada, não atendem bem o público.

- O senhor oferece plano de carreira?

- Carreira? Isso aqui é uma padaria, meu filho! Carreira pra quê? Eu que sou dono... Olha bem o que eu vou te dizer: eu, que sou o dono – o dono –, não tenho plano de carreira. Todo mês é aquilo ali, mais ou menos vinte mil, vinte e cinco mil. Acho normal que meus funcionários também não tenham. Cada um na sua. Cada um recebe pelo que faz.

- Então o senhor acha que o problema é a falta de mão de obra qualificada?

- Ah, esse é um problema sério. Nem vou falar de qualificação, vou falar de responsabilidade, de compromisso. Vou te dar o exemplo da Aparecida, uma balconista minha. Semana passada ela faltou na quinta porque a filha estava com febre; hoje chegou atrasada porque o ônibus demorou. É uma falta de compromisso que só vendo! Mas sabe o que é isso? É culpa desse governo passado. Bolsa isso, bolsa aquilo, universidade de graça, curso técnico de graça. Ninguém quer mais trabalhar, não. Se deixar, se a gente não for firme, os funcionários montam na gente, exploram nossa boa vontade... Você espera só um pouquinho?

- Claro, Seu Joaquim. Fique à vontade.

- Aparecida, tem como você ficar até um pouco mais tarde hoje? É aniversário do meu caçula, esqueci de te falar. Você pega umas trezentas coxinhas, frita em óleo bem limpinho e põe nas forminhas. Leva os salgados até meu apartamento e de lá você pode ir embora. Pronto. Podemos continuar.

- O senhor estava falando de exploração...

- Isso. Eles exploram a gente. Atestado médico, então, parece uma farra. A pessoa não suporta vir para o trabalho com dor de cabeça, com dor de garganta, com nada! Outro dia teve um aqui que deu atestado porque foi tirar o siso. Pode isso? Como é que eu fico?

- Isso atrapalha muito no funcionamento da padaria?

- Demais, demais. O movimento já tem sido pouco, as despesas sobem cada dia mais, e funcionário vem abusar da boa vontade?! Fica muito difícil. Você veja bem, eu não troco de carro há dois anos. Minha última viagem ao exterior foi há cinco anos. Está tudo muito difícil. Sem falar no custo da faculdade dos filhos, que é particular, da gasolina pros carros deles. Enfim...

- Muita despesa?

- Despesa demais! E outro dia a Aparecida teve a coragem de me pedir aumento; disse que o ônibus subiu, que o aluguel subiu, que tem que comprar lanche pra mandar pra creche da filha. Você imagina se eu me comovo com os problemas de todo mundo?! Eu já pago o salário mínimo na carteira, faço minha parte. Por isso, espero dos meus funcionários que deem o sangue por isso aqui, do mesmo jeito que eu dou. Afinal, se o negócio vai bem, todo mundo sai ganhando da mesma forma.