Graças pela vida, mãe.

Hoje é dia de Ação de Graças.

Durante o momento da Consagração, reverberando a Partilha da vida de Jesus oferecida, antes da dor, eu me lembrei da minha mãe.

Aproxima-se a hora do parto, ela sente-se pesada, fatigada nos afazeres da casa, da fazenda. O coração parece crescer. Por certo lhe dói as costas, seus pés incham, o chinelo já lhe aperta o peito do pé – arrasta? Caminha lentamente entre os corredores da casa e o jardim de suas flores? Será? Não imagino a D. Malvina devagar, nesta vida. Uma locomotiva - puxa quem se alinha em seus trilhos. Seus lábios avolumados suspiram pela hora em que a criança nascerá. Já não se acomoda com o peso do seu ventre, mas vai à bica, ao moinho na beira do riacho, onde os vizinhos da fazenda trocam o milho da roça, pelo fubá. E desce a ladeira quantas vezes for necessário. Incansável, esta minha mãe, que desponta como o Sol., no cheiro do pão. Assim foram os partos dos meus irmãos, lá na Fazenda em Bocaina.

Nas mudanças da vida, nasci na cidade de Gália. Vida urbana, mas de vida calma, não tinha nada, não. Muitos filhos sedentos de atenção, avós para cuidar e um quintal onde as flores sorriam no florescer. Trabalhava o odor da terra. Inquieta era sua alma. Sempre ia....

Como seriam as minhas roupinhas? Prestimosa como era, elas deveriam estar até engomadas, com rendinhas e “fru fru”. Eram novas? Acho que sim. Antes de mim nascera o Pedro. Ah, poderia ser herdada de uma priminha. Eram muitas as crianças que a parteira “pegava” naquela família. Não, eram novas!

Olhe, acho que tinha Cróstoli para receber as visitas, com um café. Imagina se não!!!! Era véspera de São Pedro. Tradição na família, era fazer esta bolacha. Posso apostar que a minha mãe abriu a massa, “ os foios.” E o meu pai, a fritura. Assim era!

Eu devaneio a pensar na fogueira se consumindo no terreiro de café, iluminando os ares; as espigas de milho douradas chamuscadas pela brasa, a batata doce assando, as bombinhas estourando, bandeirinhas, roda de viola, gritaria da criançada rodeando os quitutes, no sítio em festa. O mastro erguido na ponta do bambu, que o vento balança na fria noite de junho. Minha mãe silenciosa se põe à espera, nas dores que anunciavam desde cedo, a ausência da espera. Não era a festa lá de fora que a preocupava, mas a festa da vida, que se romperia do primeiro útero. Não era novidade, não. Nem sentia o medo de marinheiro de primeira viagem, mas amava...

Sete décadas! Sete, número pleno. Sete vidas tem o gato. Setenta vezes sete, se deve perdoar. Na ciranda destes simbolismos e significados, me incenso na plenitude do nosso Pai, que desce em forma de bênção e sobe aos céus em forma de Oração. A minha oração pela vida, pelo amor, pelos meus avessos, pelos meus retalhos. Me costuro em suas cores, texturas, em alinhavos. Nos meus atalhos me perco e me acho nas incertezas dos mistérios do meu inconsciente. Quantos anos tenho? Os que me faltam? Os que me rondam em aprendizado nos filhos, que me mostram a vida em continuidade?

Minha mãe ... acabou a espera, nasci.

Renasci. Me reinventei mil vezes.

Aqui estou! Pra quê?

Apenas gratidão! Louvor!

Metade de mim é vida,

a outra também.

Cheguei nos ombros que me sustentaram até aqui.

São 70 anos. Obrigada

Abraço da Olynda

olyndabassan
Enviado por olyndabassan em 03/07/2017
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