A elas voltando
        - as cigarras



     1. Volto às cigarrinhas. Mais uma crônica sobre esses frágeis insetinhos que ganharam versos bonitos de Olegário Mariano, cuja obra, acabo de reler. Diria, que se fosse poeta, também as cantaria em sonetos delicados e sonorosos.
     2. Olegário Mariano Carneiro da Cunha nasceu no Recife no dia 24 de março de 1889 e morreu no dia 28 de novembro de 1958, no Rio de Janeiro. Morreu, portanto, com sessenta e nove anos; morreu novo.
     3. Ele tinha nas cigarras um dos seus temas prediletos. A elas dedicou sonetos considerados imortais. Cito estes: A Cigarra, As almas das cigarras, A última cigarra, A cigarra que ficou, A cigarra e a formiga, A cigarra morta e Enterro da cigarra.
     4. Como disse, também gosto das cigarras. Embora seu canto linear, estridente e prolongado tenha, em algum momento, me incomodado, nem por isso deixei de amá-las e escutá-las com a paciência de um velho monge.
     5. Li, não me lembro onde - acho que numa crônica do belo escritor Affonso Romano de Sant'Anna -, que só a cigarra macho canta. E que, no seu canto, há algo de romântico: canta para atrair a cigarra fêmea. Interessante: elas acasalam, põem os ovos, e, logo depois, morrem!
     6. Na crônica "A cigarrinha do meu flamboayant", que publiquei nos idos de 2006, falo sobre uma cigarra cantadora (cantador?) que resolveu morar no jardim de minha casa. Cantava todos os dias; ao meio-dia. Uma cigarra macho e apaixonada, assim pensei.
     7. Na mesma crônica,  digo como, de repente, a encontrei morta e sendo impiedosamente devorada por centenas de formigas. Um doloroso funeral no chão molhado do meu jardim; havia chovido.
     8. O soneto O enterro da cigarra, do Olegário Mariano, me trouxe de volta a cigarrinha de meu flamboayant.
     9. Versejou o poeta das cigarras: "As formigas levaram-na... Chovia.../Era o fim ...Triste outono fumarento!.../Perto, uma fonte, em suave movimento,/ Cantigas de água trêmula carpia. == Quando eu a conheci, ela trazia/ Na voz um triste e doloroso acento./ Era a cigarra de maior talento,/ Mais cantadeira desta freguesia. == Passa o cortejo entre árvores amigas.../ Que tristeza nas folhas.../ Que tristeza"/ Que alegria nos olhos das formigas!... == Pobre cigarra! Quando te levavam,/Enquanto te chorava a Natureza,/ Tuas irmãs e tua mãe cantavam..."
     10. Hoje, moro pendurado no quinto andar de um edifício que, jardim, só tem no nome: Jardim Paulista.
     A casa onde morei, com seu jardim e um frondoso flamboayant,  virou um espigão, sem  charme e sem história...
     Quando passo por lá - acreditem! -, ouço uma cigarra cantando... Som de um passado que vai se tornando cada vez  mais distante...



 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/07/2017
Reeditado em 05/12/2019
Código do texto: T6044581
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