A CRÔNICA DO PRESENTE INVISÍVEL ("Quanto mais inteligente um homem é, mais originalidade encontra nos outros. Os medíocres acham que todos são iguais." — Blaise Pascal)
O ar tinha gosto de sábado quando entrei na sala de professores naquele primeiro dia do calendário letivo. Embora já trabalhasse ali por vários anos, senti-me como Clarice Lispector descreveu certa vez: raro, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Mas ali, naquele ambiente supostamente familiar, eu era mais que raro - era invisível.
A equipe gestora havia preparado uma dinâmica de recepção chamada "O Presente". O pacote colorido passava de mão em mão, cada um elogiando uma qualidade do colega escolhido. "Para o mais alegre", "para o mais inteligente", "para quem transmite paz". Os sorrisos e aplausos preenchiam a sala, enquanto eu observava, meu coração afundando a cada vez que o presente mudava de mãos sem chegar até mim.
Pensei em Einstein e sua certeza sobre a singularidade do indivíduo. Pensei em Martin Luther King e como declarar o que se pensa pode criar inimigos. Ali estava eu, o homem que falava "muito", diluído em muitas vertentes, aparentemente sem um ponto forte para ser notado.
O presente já havia passado por todos. Todos, exceto eu. A funcionária da limpeza, com quem eu mal trocava palavras, fez menção de me entregar o pacote, mas foi interrompida pela dirigente. "Para quem você acha que é artista", ela ordenou. Finalmente, pude tocar o presente.
Quando chegou minha vez de passar adiante, a dirigente pediu que eu escolhesse quem tinha mais fé. Sem um termômetro para medir a fé alheia, baseei-me na amizade. Foi então que compreendi: não se vê qualidade em quem não se gosta.
Saí daquela sala com uma nova perspectiva. A discriminação que valoriza as diferenças, que reconhece a preciosidade humana no olhar, nos valores, nos pensamentos - essa é a discriminação saudável pela qual ansiamos. Ser raro, ser único, aumenta nosso valor. Como disse Eduardo Marinho, "a preciosidade humana se revela no caráter".
Naquele dia, aprendi que ser globalizado, ser diluído em muitas vertentes, não me torna inútil. Torna-me complexo, multifacetado, um enigma a ser decifrado por aqueles que se importam em olhar além da superfície.
E você, caro leitor, já se sentiu invisível em um mar de rostos familiares? Lembre-se: sua raridade é sua força. Reconheça-se, e os outros eventualmente o reconhecerão também. Afinal, como dizia Einstein, a única certeza que temos é a singularidade do indivíduo.
Questões Discursivas:
1. Como as dinâmicas de grupo em ambientes profissionais podem, inadvertidamente, reforçar sentimentos de exclusão e invisibilidade social? Discuta as implicações sociológicas desse fenômeno.
2. De que forma a valorização da singularidade individual, conforme mencionada no texto, pode contribuir para combater a discriminação negativa e promover uma sociedade mais inclusiva? Analise criticamente essa perspectiva.