BAIRRO NITERÓI (Rua Almirante Barroso)
Volto no tempo! Revejo a adolescência. Lembro de cada rosto sorridente. A memória se conecta com o passado.
O chão batido clamava pelo calçamento.
A rota das bicicletas era extensa e o caminho estendia-se até a Lomba do Coronel, cenário das disputas dos carrinhos de lomba.
A Faxinha, único asfalto da época, cercada de residências de militares, findava na CSSGAPA, um dos pontos de encontro dos grupos de jovens para dançar.
O trajeto para a escola, nas manhãs estudantis, era feito a pé e a cada esquina, jovens reuniam-se aos grupos, em direção ao ponto convergente: Colégio Carlos Chagas.
A diversão a céu aberto tinha como pano de fundo os vôos rasantes dos jatos da Ditadura Militar.
As brincadeiras seguiam uma ordem silente pré-estabelecida, sob o olhar atento dos adultos que participavam das alegrias.
O retorno das noites festivas do Grêmio Niterói, reduto dos jovens, era feito pelas margens da Avenida Getúlio Vargas, a qualquer hora da madrugada, sem a preocupação com a violência. Curtia-se a passos lentos, a brisa do sereno noturno, e muitas vezes trazia-se o pão quentinho da padaria que abria suas portas aos madrugadores, que careciam recuperar as energias das noites dançantes.
O grupo de meninas, que para as reuniões dançantes se dirigia, era comandado sempre pela mãe de alguma donzela, que esquecia sua noite de sono para ficar atenta e vigiar as filhas sonhadoras que buscavam seus príncipes encantados.
Noites cansativas para a vigia que corujava as meninas durante o tempo todo e que no dia seguinte, esquecendo seu cansaço, comandava sua labuta de mãe zelosa e participativa, enquanto as casadoiras recuperavam-se em sonos diurnos.
O Quartel General da patota era em frente ao número cinqüenta e um da Rua Almirante Barroso, onde se jogava bola, cinco-marias, sapata, bolinhas de gude, taco e era o ponto de partida para as voltas de bicicleta, cedida por algum afortunado, que tivesse recebido esse presente de Natal ou de aniversário, sempre com a recomendação: cuida, tá?
Ainda no mesmo endereço, o tronco de uma árvore servia de banco para o bate papo descontraído dos amigos que planejavam as atividades para o dia seguinte.
Nas tardes, quentes ou frias, ensolaradas dos sábados e domingos, as amigas refugiavam-se para conversar e sonhar, no interior do automóvel Ford cinqüenta e três, do Seu Zé, ouvindo a Rádio Continental e curtindo músicas da Jovem Guarda.
A garagem da mesma casa servia de palco aos torneios de pingue-pongue, esporte apreciado nas décadas de sessenta e setenta. Meninos e meninas disputavam os “foguetes” e a “revista” era a fórmula certa para a participação de todos. A preocupação não era ganhar, mas sim participar.
Nas noites de Natal, amigos se visitavam, enquanto aguardavam a visita de Papai Noel, que geralmente era o pai de alguém da vizinhança e sempre trazia o último elepê de Roberto Carlos.
As tardes de sábado eram dedicadas aos encontros com os amigos na Igreja Maria Goretti, onde o grupo da Juventude da igreja se encontrava.
As noites de sábado eram embaladas ao som dos discos dos Beatles ou outro conjunto da época, no toca-discos emprestado pelo melhor amigo, regado a cuba e pizza feita com massa caseira, coberta com sardinha e canudinho recheado de salada de maionese.
O reduto dos namorados mais arrojados era o Capão do Corvo que dirigiam seus Gordini ou Fuscas para lá, muitas vezes com lotação máxima.
O retorno da cidade de Porto Alegre era feito pelos ônibus da Canoense e com parada final na parada vinte e seis, em frente à Farmácia Rolim.
O trânsito tinha seu retorno na BR 116, esquina da Rua Onze de Junho, o que ocasionava muitos acidentes devido à imprudência de alguns motoristas que não utilizavam a sinaleira que tinha em frente ao Cine São Luis.
As férias escolares eram longas e esperadas. Os alunos dedicados conseguiam ficar livres dos exames e os mais folgados chegavam até os exames de segunda época.
Os feriados de final de ano eram aproveitados nas praias de Mariluz, Pinhal ou Quintão, quando as famílias reuniam-se para veranear.
Nos finais de semana a diversão era pescar, reunindo as famílias para acampar à beira do Rio dos Sinos.
Nas redondezas da Rua Almirante Barroso, havia tudo o que era necessário: a Padaria Guadalajara, a Farmácia do Senhor Hélio Rolim, que teve seu nome alterado pela vizinhança, pois seu sobrenome era Lopes. Havia também o táxi do Senhor Vitorino Gava para emergências. O sapateiro Neno muitas vezes deixava os vizinhos zangados devido ao cheiro de couro que ele queimava no pátio da sua residência. A Dona Alair trabalhava no Sesi e as consultas eram facilitadas para os amigos. Os mais brincalhões dos pais eram Seu Zé e a Dona Tereza que estavam sempre com um sorriso nos lábio para receber os amigos dos filhos.
Os amigos faziam parte de uma grande manada e aceitavam até mesmo Coelho(s) e Formiga(s).
As paixões juvenis nem sempre eram correspondidas. Uma menina gostava de um menino que gostava de outra menina e vice-versa.
Assim reuniam-se: O Nei, a Neida e o Sidnei, as gêmeas Dóris e Beatriz e sua irmã Helena, a Marli Balejo e seu irmão Carlos, a Lucíola e o Paulinho. Da esquina com a Rua Venâncio Aires vinham os irmãos Mauro e Mozart, os amigos da faixa federal Jorge Lopes, o Toninho e Luiz Coelho, o Ricardo e a Sandra Longui e mais alguns amigos distantes como o Praia e os irmãos Paulo e Fernando Oliveira.
Assim era a região da Rua Almirante Barroso na adolescência dos coroas de hoje. Havia muita união, alegria e harmonia e todos queriam apenas ser feliz.