De chapéus e cha...peladas...

A terceira semana de junho, na Inglaterra, caracterizou-se pelas famosas demonstrações eqüestres de Ascot, Royal Ascot. Esse evento anual realiza-se desde 1711 - quando a modesta povoação da tricentenária Pitangui estava ainda a quatro anos de alcançar o foro de Vila - dotada de Câmara e Cadeia.

Contudo, maior brilho e tititi do que as celebradas e disputadíssimas corridas de cavalo de Ascot - que concentra 9 dos 33 grandes torneios hípicos anuais da Inglaterra - é a corrida aos chapéus que interessa. E chapéus das damas e demoiselles da high society britânica e de alhures que se esbaldam pelo extenso e disputadíssimo tapete verde de Ascot - que se pronuncia como algo próximo de ésket. Pena, pena, não estar mais entre nós o douto Waldemar para nos dar o necessário coaching verbal. E, de lambuja, noções pragmáticas sobre os estritos códigos do traje exigido nas circunstâncias: para homens, fraque, colete e cartola e para as mulheres, qualquer coisa, desde que encimadas por um chapéu.

E é uma festa para os olhos e a imaginação aquele oceano de chapéus a se encapelarem à busca de um melhor ângulo para as câmeras - e para os gulosos olhares masculinos. Além da extrema criatividade e elegância, há também, e cada vez mais freqüentes, as bizarrices inomináveis.

A ex-Spice Girl, hoje Senhora Victoria Beckham fez esfuziante sucesso há uns poucos anos com um chapeuzinho que, inepto para o descrever aqui, digo apenas que era uma mera insinuação de chapéu. Minúsculo e capaz de fazer levitar tanto músculo...

Sua Majestade, a Rainha, jamais perde uma ocasião dessas. Aliás, nenhum dos royals, para ser honesto. E embora no caso deles, e mais delas, a chamada à sobriedade seja a palavra de ordem, neste ano, a Princesa Anne, filha única da Soberana, ainda que emoldurada por um belíssimo conjunto verde-esmeralda, estava mais parecida a uma mega-perereca. Talvez realçada pelo aparente e constante aspecto de azedo humor da amazona emérita que Anne sempre foi. E faz questão de continuar a ser.

Quando vivi na Polônia na primeira metade dos anos 80, os chapéus masculinos, de feltro e aba curta eram de ordem. Quiçá até para remedar os membros já fossilizados do Soviete Supremo, que com mão de ferro e seus garbosos chapéus mandavam no pedaço. E entre eles, destacava-se a figura de Andrei Gromyko, que por décadas chefiou a diplomacia moscovita. E que nem carecia tal adereço para compor a cabeleira natural que exibia. E que dos rigorosos invernos o protegia.

Sem tradição na área - o único chapéu em que eu enfiara a cuca fora um Ramenzoni de couro, marrom-avermelhado de papai - pensei em melhor compor minha figura. Se o nosso Embaixador tinha a sua coleção, eu também poderia investir em unzinho. E eles eram então tão relativamente baratos que, duma vezada, comprei-me três.

Conquanto confortáveis na loja, no ato da experimentação, diante do espelho da intimidade, quanta decepção...Nada parecia combinar. Mas achei consolo logo: descobrindo o Capítulo dos Chapéus, de Machado. Mais que deleitoso achado. E olhe que pra vingar Capitu eu já havia condenado aquele bruxo malvado...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/07/2017
Reeditado em 01/07/2017
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