Pai
Pai, afasta de mim esse cálice,
esse vinho
esse gosto tinto de sangue.
Do sangue do João Hélio do qual não se fala mais,
E das 199 vítimas do descaso federal,
De uma pista curta,
De uma chuva inconveniente
De um governo atônito,
De um presidente estrela,
Que não entende, que não sabe, que não sabia.
Se o piloto puxou ou não o manete,
Quem irá contestar
Os mortos não falam,
Apenas se calam e o perfume que exalam,
Ninguém quererá cheirar.
Quem saberá?
Em nossa terra há mais palmeiras,
E o avião que aqui decola
Não se sabe se aterrissará.
Antes ser filho da outra,
Outra?
Que outra?
Somos todos tontos.
Embriagados,
Desnudos,
Parados,
Nas filas do aeroporto,
Nos buracos das estradas,
Acumulam-se corpos em busca de plástico,
De um saco,
De uma identificação.
Pai, afasta de mim,
Esta realidade menos morta,
Quero ser uma porta e me bater na cara.
E acreditam nos dólares roubados de ti,
E falam de flores,
Que coroam as lápides.
A propósito: feliz dia dos pais!