AS COISAS SIMPLES

AS COISAS SIMPLES

Embora tenha tido uma vida atuante, muito movimentada pela profissão que abracei, no entanto, até mesmo para compensar as minhas viagens, deslocamentos, e uma boa parte do tempo fora de casa, eu prefiro hoje, levar uma vida calma no aconchego do lar. Além do mais, como não tenho maiores condições econômicas para fazer proveitosas viagens turísticas, conhecer lindos lugares no país que moro e no exterior, me contento em conhecê-los pelos livros, pelas notícias, pela internet, que não é a mesma coisa mas de algum modo me apraz, do mesmo jeito que me satisfaz viajar na imaginação pelas minhas criações literárias.

Na verdade, muitas vezes, nem precisamos percorrer grandes distâncias terrenas para apreciarmos, contemplarmos e admirarmos o que supomos não conhecer. As belezas naturais e humanas estão ao alcance dos nossos olhos: o céu azul, as nuvens brancas, o céu estrelado, o brilho do luar, os rios e os mares, a flora e a fauna, o sol, a chuva, a multiplicidade racial. Assim, o que nos diferencia são os hábitos, os costumes, a língua, a cultura de cada povo.

E para quem tem uma compreensão espiritual renovada, isenta de preconceitos retrógrados, o que não se conhece numa encarnação se conhece em outra, além disso, a alma encarnada, em seus desdobramentos astrais, nos instantes em que o corpo físico repousa no sono, ela se ausenta deste, momentânea, e voa em perispírito pelo espaço espiritual, percorrendo grandes distâncias por vários países, visitando almas encarnadas ou colônias nas quais habitam espíritos desencarnados.

As pessoas não sabem se ocupar ou não valorizam as coisas simples da vida. Não percebem que o que está por perto é tão simples quanto o simples do que está por longe. Os rios estão correndo por vários lugares: serras, vales enseadas. Correm mansos ou agitados e as suas águas são sempre as mesmas, e vão se encontrando após percorrerem longas distâncias, até se misturarem às águas dos mares. Pois os rios e os mares, apesar de se acharem em lugares diferentes, são simples e naturais, e as suas águas, doces e salgadas, são as mesmas a correrem livres, e por mais que estejam distantes, sempre se reencontram e continuam simples e naturais em seus existires.

As coisas simples podem ser observadas em qualquer lugar rústico, como nalgum recanto de gruta campestre à beira da estrada vicinal num final de tarde, onde o sol não mais penetra em seu interior, mas ainda deixa uma centelha dos seus raios aquecendo em morna claridade, a tosca caverna que em breve instante será noite antecipada, embora o dia resista em findar-se nos vestígios solares do ocaso que se inicia.

O homem pré-histórico vivia em cavernas e era tão simples, como rústico em seu existir. Vivia como bicho-homem, como se fosse um bicho, quais os outros bichos da Criação. Por isso não temia a sua morada. Por isso morava nela sem medo. Por isso, como um bicho, convivia com os outros bichos, dia e noite, noite e dia, fora e dentro das cavernas, na mais saudável harmonia existencial.

Quanto mais o homem é simples, mais se eleva e se aproxima da natureza simples de Deus. Quanto mais o homem se apega às paixões terrenas, às vaidades e vícios mundanos, mais se vincula às baixezas morais. O amor é a sabedoria mais simples de Deus. É o melhor bem à consciência humana. Não é por acaso que Jesus pediu que amemos uns aos outros como Ele nos ama. Pois é amando que nos harmonizamos e nos elevamos em nossa simplicidade sentimental perante nós e Deus.

Aqui na Terra, é mais fácil um anjo visitar um homem simples numa cabana tosca, do que visitar um homem abastado numa mansão suntuosa. Não, que os dois não mereçam tão excelsa visita. Mas é que o homem simples tem tão pouco dos bens terrenos e é feliz. E o homem abastado tem tanto desses mesmos bens e é infeliz. Porquanto, emana do homem que mora no casebre, os bons fluidos, fruto dos bens morais que lhes eleva o espírito. E exala do homem que habita no palacete, os maus fluidos, resultante dos defeitos, que lhes rebaixa a moral.

As coisas simples, como as pessoas, estão em todos os lugares. Só que o simples é desinteressante, é pouco notado, é desvalorizado. O povo é simples e é mau cuidado. O poder não é simples e é bem cuidado. Pouca gente quer ser simples e gostar das coisas simples. Mas a alma simples é a que alcança mais cedo os reinos sublimados. A alma simples é a que sabe amar com pureza sentimental. A alma simples é a que se depura em prol de seu bem-estar interior. A alma simples não quer só o seu bem, mas o bem do próximo também. A alma simples, uma raridade entre nós, é a que serve e ama espontaneamente.

Ademais, escrevo de maneira simples mediante a minha simplicidade, buscando o alcance da profunda essência das coisas. Fazendo emergir de mim, os elementos naturais que motivam a inspiração para escrever. Podem ser: o silêncio de um refúgio campesino, o cheiro suave da flor no ar fresco da manhã, o ruído das águas do riacho fluindo por entre as pedras limosas, as formigas andando em fila, carregando pequenos pedaços de folhas para se nutrirem dentro do formigueiro, a revoada das aves no final da tarde para se abrigarem nos galhos das árvores, tendo em vista o repouso pelo sono restaurador, o camponês que retorna para casa cansado, após o labor do dia, o frescor das plantas orvalhadas pelo sereno da noite... E tudo que for simples, simples, simples, como a sabedoria simples de Deus.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 29/06/2017
Reeditado em 04/11/2020
Código do texto: T6041029
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