Assim ou...nem tanto. 98
Para todos há um sonho que equilibra o que se vive acordado. Há uma porta que é entrada e limite, fronteira e filtro, começo de um mistério tão grande que quem a passe se apaga para viver como parte da profundidade. Ninguém a cruza vivo ou acordado justamente porque para lá da linha só existem coisas, valores, cores e aromas que não pertencem ao estar consciente. Pode-se voar e voa-se. A sensação inebriante de não ter peso, o avassalamento que é alguém sem asas gerir o voo e ir ao cume da montanha, ver mínimos os problemas, as lutas, as cidades, a maravilha de abrir os braços e descer, veloz e macio, do campanário da Igreja para um lugar onde nos era vedada a permanência. Ama-se no sonho. Dentro daquele negro fundo há a pessoa que nos cabe, certa, inteira, fabulosa como entidade perfeita. E somos então felizes e saciamo-nos de tudo o que nos negam, daquilo que, acordados não podemos, não sabemos ou não devemos viver. O sonho é a justa medida, o tempo de ser completo, o gozo perfeito da harmonia que precisamos para superar a vida real onde tudo nos pode magoar, ofender, ferir. No sonho o sangue é azul.