LEMBRANÇA DO GRUPO ESCOLAR "PROFESSOR JOSÉ ESCOBAR" NO PIRANGA.
 Aclibes Burgarelli.  Junho de 2017.,
 
O Bairro do Ipiranga, um bairro como outro qualquer, exerceu em mim influência tão marcante que jamais serão esquecidos os fatos que  somaram minha vida, dentre os quais  a fase infantil de uma existência muito feliz. Todos passam por fases, na vida material, mas poucos relacionam essas fases com a missão do ser humano por causa Divina.

Contava eu com seis anos de vida, por volta de 1944, em plena segunda guerra mundial, com reflexos no solo brasileiro. Getúlio Vargas era o Presidente e vigorava plenamente o projeto de governo voltado à valorização da juventude.  Para essa valorização imprescindível era se atribuir aos professores condição digna de vida e autoridade para imprimir estrutura moral nos estudantes.

No quadro descrito, um prédio robusto pendia na localidade denominada Sacomã, no Bairro do Ipiranga, na Rua Greenfeld,  um prédio de ensino público, imóvel  esse que estaria isolado em grande área não fossem os imóveis geminados (sobrados), construídos pela família Sammarone, com tijolos à vista, fabricados na famosa Cerâmica Sacomã, bem próxima ao local.

A esse imóvel escolar deu-se o nome de Grupo Escolar Professor José Escobar.  Em todo o Bairro do Ipiranga vibrava o nome da escola e o projeto arquitetônico da época de sua construção, cuja data desconheço, apresentava linhas arredondas, especialmente na entrada e em algumas janelas.

Impressiona a largura dos lances das escadarias, o grande pátio de recreação e a robusta área em que eram preparadas as famosas sopas para os alunos, sopas cujo sabor é impossível afastar de nossa mente.  É realmente impressionante a permanência do cheiro do tempero da sopa em nossa mente, mais de setenta anos depois.

Voltemos à época 1944/1950, cinco anos; sim, porque, por causa de um acidente com fratura na mão direita, tive de me ausentar no final do segundo ano e, por isso, fui reprovado e meu curso primário durou cinco anos.

No primeiro dia de aula assolou em minha mente a ideia de ser aluno de importante professor, cujo nome foi atribuído à escola. Pensava eu que o professor José Escobar era o dono da escola e, pela projeção do nome, veio-me a ideia de alguém rigoroso e importante; sim, porque era o único homem que se conhecia na escola, na condição de professor, ao lado de professoras.  Naquela época as professoras dominavam o ensino primário e, entendia eu que o professor José Escobar devia ser muito importante.

Os anos se passaram e eu nunca soube quem e onde estava o importante professor José Escobar. Dele nunca se teve notícia e, tampouco, importava sua figura e assim reinou perpétuo silêncio a respeito. Até hoje; o que me leva a perguntar: Quem foi o professor José Escobar?

Ingênuo e no mundo infantil, enfrentei a fase escolar com responsabilidade e tive gratas satisfações nesse modo de viver. Lembra-me bem, da linda pessoa que foi a primeira professora (quem não tem lembrança da primeira professora?), não somente pela bondade e carinho, mas porque um fato marcante serviu de registro e, paralelamente, de estímulo que gerou bons resultados.

Aprendi a ler muito rapidamente – e a leitura é meu deleite – de modo que, já no segundo mês de ensino primário, lia fluentemente com pausas e interrogações. Esse fato surpreendeu a professora Dulce que, quando me convocava para leitura de um trecho da cartilha escolar, dirigia-se à sala ao lado e trazia professora do segundo ano para presenciar e ouvir minha leitura. Eu, evidentemente, ficava cheio de orgulho. A convite da professora Dulce (onde estará esse bom espírito? Sei que tinha um filho de um ano de idade em 1945) compareci, várias vezes, em sua residência, na Rua Cipriano Barata, se não me falha a memória, para fazer companhia ao filhinho.

Do segundo ano de curso primário, lembro-me apenas do acidente que me tirou por algum tempo da escola. O terceiro ano não me acrescentou lembranças importantes. O último – o quarto ano – lembra-me da professora idosa, bondosa, mas sem condições de manter a ordem na sala, falha que era suprida com a presença do rigoroso inspetor de alunos o Sr. Edgard. Comentavam os alunos que ele tinha um olho de vidro e daí o olhar fixo e brilhante que marcava sua autoridade. Eu temia o Sr. Edgard e dele desviava sempre o que o via atuando no pátio.

Quando era convocado por alguma professora, em sala de aula, seu olhar vítreo causava pânico e o silêncio era total. Mas, no íntimo, era boa pessoa.

Finalmente, consegui o primeiro diploma de minha vida. Quanta alegria, quanta felicidade. Não era costume festejar o evento o qual se resumia em entrega do papel, na sala da Diretoria.  Evento esse que não esteve presente o misterioso professor José Escobar, cuja figura nunca se soube do paradeiro.

Os anos passaram e, nas eleições da década de 80, quando eu era Juiz de Direito da Vila Prudente, fui designado para servir de Juiz Eleitoral do Ipiranga e, em trabalho de fiscalização, fui ao Grupo Escolar Professor José Escobar. Não há como se descrever por palavras o que senti naquela oportunidade, na sala do 4º ano, no andar térreo com frente para a Rua Greenfeld. Fechei os olhos e todo o passado voltou.

A volta se fez acompanhar de lágrimas e nó na garganta, porque, apesar de tudo, mesmo sendo eu um magistrado, na essência aquele menino muito feliz, satisfeito com a convivência da escola, não mais existia.  Querido Grupo Escolar, minhas homenagens, minha alegria e razão de toda a existência posterior. Que Deus abençoe a todos os que por lá passaram.

 

 
aclibes
Enviado por aclibes em 28/06/2017
Reeditado em 30/06/2017
Código do texto: T6039666
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