A MELHOR HORA DO DIA
As madrugadas de domingo são um pedacinho da semana que me trazem muito prazer. Quando tenho oportunidade, no verão, gosto de caminhar e correr junto à orla; já no inverno gosto mais das áreas verdes.
O silêncio e a beleza da floresta da Tijuca, antes da cidade acordar, dá-me entusiasmo para caminhar durante horas. Ontem, bem cedo, senti vontade de correr. Senti os olhos lacrimejarem com o frio da manhã. A aragem gelou-me os dedos das mãos e por diversas vezes senti a nuca ficar arrepiada, por entre os cabelos e o rosto ficar avermelhado com o frio que se fazia sentir. Amo muito tudo isto, assim como amo o frio.
No inverno esta paisagem parece estar adormecida enquanto o frio a envelhece. A Mata Atlântica é de uma exuberância ímpar: algumas árvores estão despidas de folhas, mas em tudo há beleza, basta estar atento: o vento brinca com as folhas das árvores soberanas, fazendo-as rodopiar até pousarem, cansadas, no tapete fofo e verde; os pássaros parecem cantar hinos de alegria à beleza do universo; as nuvens vestiram seu lindo vestido branco domingueiro, brincam umas com as outras e compõem lindos desenhos no infinito azul; até o mar parece mais belo e azul; e o sol, deparando-se com tanta beleza, parece ter ficado envergonhado e aproveita para tirar um cochilo.
Sabe-me bem caminhar por entre estes caminhos de folhas mortas. Gosto de saber que esta morte se transformará em coisas bonitas, com vida e muitas cores.
Sabe-me bem estar acordada a esta hora e ver o dia acabado de nascer. Admirar este verde matinal com o azul do mar ao fundo. Um passeio onde a profundidade do verde é fruto de um outono aguado. Um verde silencioso entremeado de tonalidade acastanhadas e vestígios da chuva que caiu recentemente.
Gosto muito deste quase retorno às origens, quase a medo, querendo preservar as emoções que não quero que, como as folhas caídas, apodreçam no esquecimento. Gosto deste verde que me traz a esperança de um mundo melhor. Gosto deste mergulho profundo do qual me custa emergir, porque preciso continuar a admirar e a acreditar na beleza da vida, do mundo e do ser humano.
Em breve chegará a primavera e muitas transformações acontecerão: nestes mesmos caminhos encontrarei o verde mais puro das estações, mais flores e mais pássaros que tornarão ainda mais alegres estas madrugadas de domingo. Louvo a natureza em mudança permanente e as estações que se renovam com precisão, se reinventam e se manifestam em solstícios e equinócios. O homem depende do ciclo das chuvas, das flores, dos frutos e das sementes, um ciclo perfeito, onde se faltar um elemento não existirão os outros. E tudo isto me faz refletir no quanto estamos apenas de passagem e como tudo é efêmero.
Em dezenas de caminhadas matinais domingueiras, não fosse a mudança das estações, diria que cada caminhada é a repetição da anterior. É a melhor hora do dia! É a hora da (quase) quietude. É a hora da entrega. Desfaço-me em silêncios e em silêncios me dou, como se em cada minuto da manhã recuperasse a serenidade plena da vida. E a vida só faz sentido assim, com o coração entregue às coisas que amamos.
Não escolhi este bater intenso do coração, mas gosto de o sentir bater deste jeito dentro do peito.
Ana Flor do Lácio
(vistas da Floresta da Tijuca - Rio de Janeiro) Fotografias © Ana Ferreira