O beijo II
O que se pode dizer de uma vida simples, corriqueira e banal? Acredita-se que pouco, é claro. Assim era a vida dela: simples, corriqueira, banal e, além de tudo isso, previsível. Seus dias eram sempre iguais e quase nada acontecia fora de sua rotina. Sua agenda, embora tivesse uma, refletia exatamente o controle que ela tinha do marasmo de sua vida. Entretanto, há alguns meses um fato nada comum aconteceu que definitivamente mudou sua maneira de ver coisas e tudo ao seu redor.
Tudo começou no seu trabalho que, diga-se de passagem, já não era tão fascinante como antes e lhe causava certo cansaço e fadiga. Por conta disso, ela às vezes ficava meio distraída e pensando em como tudo poderia ser diferente. Num determinado dia, quando estava absorta em seus pensamentos, ela conhecera um novo funcionário recém-chegado e até certo ponto simpático. Trocaram meia dúzia de palavras e ela voltou a suas atividades corriqueiras como sempre. A partir de então, o rapaz sempre a cumprimentava e era lisonjeiro com as palavras para com ela. A relação dos dois era leve e sempre tomavam café juntos. Isso para ela já era um avanço, já que não tinha o costume de sair tão frequentemente de sua rotina.
A amizade dos dois era leve e divertida. Até saíram juntos após o expediente algumas vezes. Ela vira na pessoa dele alguém com quem poderia conversar e até, quem sabe, trocar confidências no futuro. Porém, ainda não confiava nele para isto. Numa dessas conversas após o trabalho, ele lhe oferecera uma carona e ela aceitara. Ao chegaram ao prédio que ela morava, os dois conversaram um pouco e na hora de se despedirem ele lhe pedira um beijo. Ela ficara em silêncio, pensando ser aquilo uma brincadeira dele como tantas outras. Porém, ele lhe fizera o pedido mais uma vez e mais uma vez. Dentro dela havia vários questionamentos do porque daquilo...ela não entendera nada e aqueles segundos pareciam horas para ela. Após um silêncio fúnebre de alguns minutos, ele não dissera nada e simplesmente lhe dera o beijo que tanto havia lhe pedido. O beijo fora espontâneo e doce. Ela há muito tempo não sentia algo tão bom dentro de si.
Após o ocorrido, os dois despediram-se e ela meio que sem saber bem o que pensar sobre isso pegou o elevador para ir ao seu apartamento. Parecia que ela não sabia onde estava e nem o que deveria fazer. Quando dera por si, estava em frente a uma porta no último andar com alguém olhando para ela. Ao ver que aquele rosto não lhe era familiar, dera-se conta que havia ido ao andar e ao apartamento errado. Acabou por dar boas gargalhadas, desculpar-se e foi embora. Dentro de si havia vários sentimentos: vergonha, alegria, impotência, resignação, admiração.....
Naquele dia, sua agenda e seu excesso de controle com sua vida perderam-se e cederam lugar a uma vida menos planejada e cheia de oportunidades. E tudo por causa do beijo.