FINAL DE TARDE INVERNOSA
FINAL DE TARDE INVERNOSA
De repente, num final de tarde invernosa, me lembro de um conhecido poema de Manuel Bandeira, um dos mais notáveis poetas de nossa literatura, cujo título é: " Consoada - Quando a indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: - Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa. A mesa posta, com cada coisa em seu lugar. "
Em minhas leituras literárias, quando ainda aprendia a fazer poesia, quando a consciência poética precisava ser lapidada em versos rimados ou livres, quando a inspiração vinha testando o poeta neófito que hesitava sem saber se o verso era bom ou ruim, quando temia o malogro poético pela interrupção súbita do influxo inspirador, eu encontrei, lendo os poemas de Manuel Bandeira (como também nos poemas de outros grandes poetas brasileiros e estrangeiros), a confiança que precisava para seguir em frente com o propósito de ser, não poetas do quilate literário de Camões, de Pessoa, de Bandeira, de Drummond, de Rilke, de Neruda, de Yeats, de Mallarmé, de Whitman, de Cummings, de Elliot, e de tantos outros grandes poetas da literatura universal, mas de um poeta menor, de um poeta comum, de um poeta de cordel, de um "poetinha", como gostava de ser chamado outro exímio de nossa plêiade poética, o poeta e compositor Vinícius de Moraes.
O dom é uma qualidade inata, algo próprio do espírito, que vai desenvolve-lo e aprimorá-lo ao longo de sua existência eterna. Muitas vezes cada espírito tem mais de um dom, que os exercita simultaneamente. No meu caso, que tenho pendor à leitura e à escrita, decerto venho trazendo acumulada em meu espírito, essa experiência artística admirável que consiste no ler e no escrever literário. Porém, nessa encarnação, eu não me dediquei exclusivamente ao exercício dessa arte tão apaixonante, tão envolvente, apesar dela ter-me aflorado cedo, desde o verdor dos primeiros anos de vida, visto que, ao sete, eu comecei a ler, e aos doze, a escrever.
Ocorreu que a vida prática me levou à outra atividade: a agrimensura. E foi através dela que me profissionalizei, exercendo-a até me aposentar. Entretanto, mesmo a profissão me ocupando a maior parte do tempo, eu sempre dava um jeito de reservar alguns instantes para exercitar a literatura. Embora eu não tenha me formado em jornalismo, em letras, ou então me dedicado à escrita profissional, ao longo da vida eu fui me contentando em ser um escritor amador, aprazendo-me com a arte de escrever: como um hobby, um passatempo, um lazer, uma necessidade natural do meu espírito artístico.
A minha escrita, harmonizada com a minha vida, teve três fases distintas: a primeira (dos sete aos vinte e um anos), a fase da inexperiência, dos primeiros estudos, na qual se planeja algum objetivo de vida, foi quando eu comecei a ler e senti o quanto é prazeroso o exercício da leitura. E uma vez gostando de ler, veio em seguida, o prazer de gostar de escrever. A segunda (dos vinte e um aos quarenta e cinco anos), a fase adulta da formação intelectual, do exercício profissional, da construção de uma família. E a terceira (dos quarenta e cinco até agora) a fase da maturidade, dos filhos criados e educados, da compreensão espiritual, da aplicação construtiva dos valores morais à vida carnal, numa preparação consciente à próxima dimensão da vida.
Em todas essas fases, eu li e escrevi. Mas para mim, a fase de melhor proveito, foi a da maturidade, sobretudo, porque eu me aproximei da espiritualidade para me edificar, aplicando os bons ensinamentos em minha vida sócio-afetiva e em minha literatura. Estou tendo também, agora que me aposentei, a oportunidade preciosa de refletir com profundidade acerca das lições de vida que experimentei, utilizando-as em meus escritos literários. E aí os meus dignos leitores podem me fazer a seguinte pergunta: por que ele, gostando tanto de escrever, não tem livro publicado? E eu lhes respondo: acho que, por não ser um escritor profissional, não me interessei até hoje em publicar livro, ou por achar que a minha literatura, até então, não estava o suficiente madura, de tal forma aprimorada que merecesse reuni-la em livro.
A maioria dos escritores, principalmente os que têm o firme propósito de sê-lo, quando começam a escrever, logo imaginam num breve tempo, reunirem os seus escritos num livro. E num país onde tem tanta gente escrevendo, onde é bem mais fácil se publicar um livro hoje do que em décadas atrás, fica mesmo difícil crer que eu ainda não tenha nenhum livro publicado. Por outro lado, existe um detalhe de minha personalidade que talvez justifique essa minha resistência em ver a minha obra impressa em livro: apesar de gostar tanto da palavra falada e escrita, eu sou um homem discreto, simples, intimista, portanto, avesso ao sucesso, à fama, à badalação, ou como diria o poeta Dante Milano: avesso ao "rumor de falsa glória".
Na história da literatura, existem alguns poucos casos, pelo menos dos que eu conheço, de poetas e escritores que retardaram ao máximo a publicação de seus livros, e quando o fizeram, não foi nem por vontade própria, e sim por interesse dos amigos ou de pessoas influentes que viram em seus textos, muita qualidade literária. Dentre os quais, o poeta baiano Sosígenes Costa, o carioca Dante Milano, e o poeta português Fernando Pessoa, que, apesar de ter desencarnado novo, aos trinta e sete anos, só teve em vida carnal um livro publicado, que foi Mensagem, mesmo assim, para fazer parte de um concurso literário. E toda a sua célebre obra em livro é póstuma.
Mas voltando ao poema de Bandeira, transcrito no início desta crônica, creio que ele me veio à lembrança, talvez como estímulo para que eu exercesse o hábito de escrever, ou talvez porque, contemplando o final de tarde invernosa com o seu aspecto melancólico, eu tenha me lembrado desse tão significativo poema na obra do grande poeta modernista, cujo tema prevalecente é a morte. Por ter contraído tuberculose, numa época em que não se tinha um tratamento específico à cura de tal moléstia, Bandeira vivenciou a sua vida temeroso de a qualquer momento morrer. Assim, a presença da morte em sua obra, se justifica pela saúde debilitada ao longo da vida.
Como se pode ver em vários de seus poemas: " Vou-me embora pra Pasárgada. Lá sou amigo do rei. Quando de noite me der vontade de me matar - lá sou amigo do rei - "... " Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. "... " Andorinha lá fora está dizendo: - " Passei o dia à toa, à toa! " Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa... " Desse modo, o poema Consoada simboliza a própria vida de Bandeira, tentando organizá-la, pra quando " a Indesejada das gentes chegar, encontrar lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar. " E quando a morte (que tanto a esperou com um certo temor), por fim o levou, ele contava oitenta e dois anos.
Enfim, tem uma citação bíblica que muito aprecio: " Há sempre tempo para todas as coisas ". Por enquanto, eu me contento (e peço, por gentileza, aos nobres leitores que também se contentem) em publicar a minha obra literária em minhas duas páginas no face, no meu blog e no site recanto das letras. Quem sabe, daqui pra frente, movido por um entusiasmo espontâneo, eu e vocês possamos vê-la impressa em livro, seja de poesia ou prosa, afinal, modestamente, eu sou poeta e prosador.
Escritor Adilson Fontoura