Chuva Pesada

No caminho, a chuva demonstrava-se estável. Mesmo a pé, não parecia ser motivo para desistir. Havia dias que não visitava a casa de Deus. No entanto, sentia medo. A mais simples imagem de um ser parado abrigado, esperando a chuva passar, a assustava. Nas proximidades do destino final, a chuva começou a aumentar de forma imensurável. Não era bom sinal. Mas já estava muito perto, então seguiu. Durante o evento sentiu o amor, harmonia e a reflexão de sempre. Mas a maior prioridade de suas orações era o desejo de que a chuva acabasse. Deus parecia estar distraído e a chuva só aumentou. Ao terminar o evento em torno de uma hora de duração, voltar para casa parecia missão impossível. Uniu-se a outras quatro mulheres que estavam na mesma situação. Duas moças e duas senhoras. Uma das senhoras estava próximo de sua casa, resolveu arriscar e seguiu em frente. Depois disso, a cada minuto que esperávamos, aumentava centímetros a altura da água em nossos pés. Era uma esquina e não era possível atravessar a rua. As duas moças moravam naquela rua, na mesma calçada onde estávamos. Elas decidiram tentar ir se apoiando pela parede. Eu a outra senhora aceitamos a ideia de nos manter em grupo e acompanhamos as duas com o intuito de tentar a travessia pela rua de trás. Lá, as moças atingiram seu lar. Então eu e Dona Conceição que já nos tornáramos amigas, apesar de também bastante alagado, conseguimos passar. O quarteirão seguinte, ainda com chuva, foi tranquilo. Ouvi mais de uma vez aquela voz cansada e leve de quem já sofreu muito na vida: “Amanhã faço 85 anos”. Quando pensávamos que o sufoco havia acabado, nos deparamos em uma esquina com uma multidão de pessoas paradas em expressões de purgatório. Condenadas? Até que horas ficariam ali? E se a água não cessasse? Apesar de já ter passado por diversas situações e manter equilíbrio diante de tais, me senti em desespero naquele momento. Não por mim, suportaria por horas e tenho pernas saudáveis. Mas por ela, que pior, ainda estava de sandálias. Eu não conseguia pensar em nada. No entanto, naquele momento, me veio uma intuição, uma sensação doce de solução. Os táxis não paravam para ninguém. Atrevi-me um pouco pelo meio do asfalto e fui até a porta de um deles. Situei-o do cenário da frágil senhora. Aquele homem, que flutuava por volta dos seus 50, olhou-a e expressou com os olhos: “poderia ser minha mãe”. Ele, então, aproximou o carro da calçada para fácil ingresso da Dona Conceição, que ainda hesitava em aceitar, pois não havia levado dinheiro. Convenci-a com as condições de que poderia ajudar e as consequências de continuar ali. Entramos agraciadas, aliviadas e agradecendo a todos os santos. Ela, emocionada, não sabia como agradecer. Mas não precisava. Minha satisfação era indescritível e infinita. Senti um dos momentos mais intensos da vida. Saltei do táxi antes dela desejando-a feliz aniversário para o dia seguinte. Que depois de toda aquela aventura, o dia de seus anos fosse lindo, inesquecível e tranquilo como ela de fato merecia.

Ubirani
Enviado por Ubirani em 21/06/2017
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