Papo Tácito
É sempre no elevador que as frases sem intenção de existir surgem e insistem em continuar existindo, principalmente quando está lotado e você ali, no canto direito, entre o surfista parafinado com a sua prancha também parafinada e aquela velhinha que costuma pintar o cabelo de azul.
— Boa tarde!
Foi aquele seu vizinho mala quem o cumprimentou, ele estava no playground e acabou de entrar. Cumprimentou a todos, mas em especial a você, que tem a garagem ao lado da dele; cumprimente-o também.
— Boa tarde!
Você sente uma necessidade incontrolável de ser gentil com esse cara que lhe dirigiu o olhar, e acaba completando a sua saudação dizendo que “está calor, não é! ” Na verdade, você não está sentindo calor nem frio; talvez agora passe a sentir calor, o do constrangimento, de ter dito algo que poderia ser perfeitamente omitido. Mas você disse e pronto. Tá dito.
...Ah, o cara é um mala mesmo, continua a olhar pra você, parece provocar o seu comportamento. Nesse caso, você sucumbe:
— Pois é, o trânsito está um horror, não é!
A velhinha deu uma piscadela de cumplicidade para o surfista que respondeu com um meneio de cabeça e um movimento mínimo labial que poderia ser traduzido como um “só! ”. Parece até que os dois, com essa linguagem universal, não aprovaram o seu pronunciamento. Aliás, todos os presentes olharam discretamente para você que quebrou o protocolo, falando impertinentemente dentro de um elevador cheio às seis horas, fim de tarde, início de noite, quando essas pessoas já sobem fatigadas para seus apartamentos, algumas até com certa halitose.
Mas o que dizer mesmo depois de um “pois é” totalmente evasivo? Restou a você terminar a frase com risco real de eco. Mas você não é bobo, não. Você tenta se recuperar abordando outra freguesia:
— He he, e aí, garotão, aonde é que vamos rolar esse tubo?!
Pegou mal, cara, esse senhor de terno azul marinho aí ao seu lado é pastor evangélico e, até então, pensava que você, pelo menos, fosse simpatizante das causas familiares. Tubo! Às seis horas, isso lá são horas de se falar em tubo?! É, mas não adianta querer se desesperar, não; use apenas um tom mais grave e aproveite que a velhinha e o surfista parafinado acabaram de sair, parece que eles moram aí, no oitavo andar. Anda, ela olhou pra você!
— Descanse em paz, minha senhora!
Lentamente, a porta do elevador vai separando você da velhinha. Eu veria isso como uma possibilidade gradual de retomada de fôlego, não fosse a cara dos ainda presentes.
Ei, espere, seu andar não é o décimo terceiro, por que você resolveu ficar no nono?!