DESISTÊNCIA PRODUTIVA OU SIMPLESMENTE "EVADIDO" ("A suspensão, remoção ou cessão de um grave mal são reputados pelo paciente como um grande bem: deixar de sofrer é também gozar."— Marquês de Maricá)
"Evadidos", alcunha usada para humilhar aqueles que, com sabedoria, decidem desistir. Mas por que tal atitude gera tamanha reprovação? Por que a força da escolha e o domínio próprio, qualidades intrínsecas ao ato de desistir, não são reconhecidos e celebrados? Desde cedo, fui ensinado a valorizar a determinação e a perseverança acima de tudo. "Nunca desista dos seus sonhos!", diziam-me os mais velhos, como se essa máxima fosse um dogma incontestável. No entanto, com o passar dos anos e as experiências acumuladas, percebi que essa visão, embora nobre, carece de nuances.
Lembro-me vividamente de um episódio ocorrido em minha sala de aula, quando lecionava para uma turma particularmente desafiadora. Alguns alunos, por mais que eu me esforçasse, simplesmente não demonstravam o mínimo interesse pelos estudos. Seus olhares vidrados e mentes dispersas me diziam claramente: "Professor, este não é o meu caminho." Foi então que compreendi uma verdade profunda: nem todos fomos talhados para a mesma jornada. Enquanto alguns de nós encontramos genuína realização nos bancos escolares, outros têm seus talentos e vocações em searas diferentes. E, por mais doloroso que possa parecer, a desistência, em certas circunstâncias, pode ser um ato de sabedoria e autoconhecimento.
Em minhas aulas, sempre digo aos meus alunos que é melhor desistir do que fracassar. Fracassar é vergonhoso, enquanto desistir demonstra apenas o cansaço, a necessidade de reavaliar e redirecionar os esforços. Ao desistir, a vaga é liberada para outro que realmente deseja estudar, permitindo que os professores se dediquem integralmente àqueles que estão dispostos a aprender. Quantas vidas não foram desperdiçadas em uma busca obstinada por objetivos que jamais deveriam ter sido perseguidos? Quantos talentos foram sufocados por essa noção equivocada de que desistir é vergonhoso?
Lembro-me das palavras sábias de Henry Ford: "Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam!" E como essa observação se revelou verdadeira! Pois, ao contrário do que muitos pensam, desistir não é sinônimo de fraqueza, mas sim de discernimento e coragem para admitir quando uma batalha se torna infrutífera. A desistência, muitas vezes vista como fraqueza, na verdade, pode ser um ato de força, de discernimento e inteligência. Quantas pessoas, jamais tendo concluído o Ensino Médio, se tornaram cidadãos de bem, contribuindo significativamente para a sociedade? Abandonar o que não nos faz bem é um ato de inteligência, liberando tempo e espaço para o crescimento pessoal e profissional de outros.
O fracassado, por outro lado, ocupa uma vaga desnecessariamente, desperdiçando recursos e oportunidades. O ideal seria devolver o investimento feito nele e buscar novos caminhos que estejam mais alinhados com suas habilidades e aspirações. A maior fraqueza reside em não reconhecer o "não" de Deus e insistir em um caminho que não nos leva a lugar nenhum. Desistir na hora certa é, muitas vezes, o caminho mais sábio para a vitória. Como bem disse Mario Quintana, "o que mata um jardim não é o abandono, mas esse olhar indiferente de quem por ele passa." E eu me recusava a ser esse jardineiro indiferente, ignorando as necessidades individuais de cada uma de minhas preciosas sementes.
Foi com essa mentalidade renovada que passei a orientar meus alunos. Ao invés de forçá-los a percorrer caminhos que lhes eram alheios, incentivei-os a explorar suas autênticas paixões e habilidades. E, para aqueles que optavam por desistir dos estudos formais, eu os parabenizava por sua lucidez, desejando-lhes sorte em suas jornadas alternativas. "O sábio não se exibe e vejam como é notado. Renuncia a si mesmo e jamais é esquecido," dizia Lao-Tsé. Cada indivíduo possui habilidades e vocações específicas. Nem todos nascem para estudar. Insistir em forçar alguém a seguir um caminho que não o motiva é como tentar domesticar um leopardo: ele nunca se reconhecerá como tal, perdendo sua essência e capacidade de contribuir para o mundo da maneira que nasceu para fazer.
Sou um acumulador compulsivo por natureza, sempre guardando objetos que acredito precisar no futuro. Minha casa, antes um refúgio, se tornou um lixão de coisas inúteis que jamais usarei. Agora, suplico a Deus sabedoria para discernir o que me serve e força para me livrar do que não me faz bem. Como disse Santo Agostinho: "Para muitos a abstinência total é mais fácil do que a moderação perfeita." Desistir não significa desistir da vida, mas sim desistir de algo que não nos leva a lugar nenhum. É escolher novos caminhos, buscar novos sonhos e recomeçar com mais sabedoria e maturidade.
A desistência, quando utilizada com inteligência e discernimento, pode ser a chave para a felicidade, o sucesso e a realização pessoal. Então, da próxima vez que alguém chamar você de "evadido", lembre-se: você não está desistindo, está escolhendo um caminho diferente. E isso, em si, é um ato de força e coragem. Que estas palavras possam iluminar sua jornada, lembrando-o de que a verdadeira vitória reside não apenas na conquista, mas também na capacidade de identificar quando é hora de seguir em frente. Pois é apenas abraçando nossa humanidade, com todas as suas complexidades e contradições, que podemos verdadeiramente florescer.
Questões Discursivas sobre o Texto:
1. Desistir: Fraqueza ou Discernimento?
O texto apresenta uma visão crítica da ideia de que desistir é sinônimo de fraqueza. A partir dessa perspectiva, discuta os seguintes pontos:
Quais são os argumentos do autor a favor da desistência como um ato de sabedoria e autoconhecimento?
De que forma o autor utiliza exemplos pessoais e da vida em sala de aula para ilustrar sua visão?
Como a história do leopardo serve como analogia para a importância de cada indivíduo seguir seus próprios talentos e vocações?
2. Repensando o Sucesso: Além da Perseverança Cega
O autor propõe uma redefinição do conceito de sucesso, que vai além da mera perseverança e da conclusão de objetivos predefinidos. Discuta os seguintes pontos:
Que críticas o autor faz à ideia de que "nunca desistir dos sonhos" é uma máxima incontestável?
De que forma o autor defende a importância de reconhecer os próprios limites e buscar novos caminhos quando necessário?
Como a citação de Santo Agostinho sobre a abstinência total e a moderação perfeita se relaciona com a temática da desistência consciente?