Infância
E onde nasceu "a professora", essa reflexão acompanhou-me nesse domingo. Lembro-me da Escola Caetano de Campos no finalzinho da Avenida Consolação onde morávamos. Meu pai era zelador de um prédio residencial. A escola Caetano de Campos marcou minha infância. Casarão em que estudávamos, brincávamos, onde nossa imaginação corria solta: fantasmas, anjos, demônios... e os pombos que eram nosso terror. E no prédio onde morávamos o encanto, eram quinze andares, preferíamos, eu e minha irmã do meio, subir pela escada do que pelo elevador. Tínhamos medo, tudo por causa de um filme que fazia sucesso na época em que pessoas morriam num elevador que despencava. E a caixa d'água no sétimo e no oitavo andar, morríamos de medo, pensávamos que era um portal para uma nave alienígena, passávamos correndo por esses andares com medo de sermos surpreendidas por algum ET. Nossa vizinhança de classe média nos proporcionou muitos prazeres: o prazer dos livros, das boas músicas, dos bombons... A filha de uma moradora dançava balé e tinha um quarto cor de rosa que era um encanto. No quarto, uma estante com muitos livros e LPs, dentre eles "Os saltimbancos" que foi minha primeira experiência com a boa música, com Chico Buarque... Não que as músicas que escutávamos fossem ruins, minha mãe ouvia um pouco de Jovem Guarda, um pouco de Brega, lembro-me do radinho tocando músicas, de ouvirmos o Eli Correia e suas histórias de almas que tentavam se comunicar com os vivos, morria de medo... Meu pai sempre gostou de Moda de Viola, muito do que sei dessas canções, devo a ele. Seu maior sonho era transformar minha irmã e eu em dupla sertaneja. Sonho que ele tentou e não conseguiu realizar em sua juventude. Mas, voltando ao quarto cor de rosa, ele era nosso verdadeiro encanto. Ganhávamos livros, brinquedos, roupas usadas daquela família e era como se tudo fosse novo e especial. Esperávamos sempre com ansiedade aqueles "presentes". Essa menina, acredito eu, despertou em mim a sensibilidade musical e o gosto pelos livros. Agora, com relação aos estudos, o incentivo sempre foi realizado pelo meu pai. Minha mãe, baiana que teve que largar o primeiro ano da escola para estudar Corte e Costura (falo que "teve" porque meu avô a obrigou, as coisas eram assim antigamente e não o culpo), tinha pouco estudo e a ela ficava a tarefa de cuidar da casa, das nossas roupas, da nossa comida (tudo isso!!!) e lembro-me de que ainda fazia bicos costurando sandálias e bolsas até altas horas da noite para ajudar no orçamento. Meu pai era filho de fazendeiro em Ilhéus, tinha professora particular, estudou até a quarta série. Ele é quem cuidava das correções dos cadernos e verificação das notas, sempre foi muito rigoroso em relação à nossa evolução na escola. Hoje sei que quem dava suporte à nossa família era minha mãe, pois devido ao alcoolismo, meu pai não era tão presente assim. A tentativa de escrever sobre minha trajetória tem me ajudado a desenterrar muitas lembranças boas, muitas experiências que me compõem como professora.
15/10/2012