MENINOS CARVOEIROS, etc.

VAGA BIOGRAFIA - Recifense de 19 de abril de 1886, um dos primeiros poetas a escrever poemas modernistas com versos livres - sem métrica, sem rima; não com exclusividade, pois também escreveu sonetos e uma cantiga medieval. Negou-se a participar da Semana de Arte Moderna em 1922. Membro da ABL desde 1940, cadeira 24. Ao completar 80 anos, foi inscrito na Ordem Nacional do Mérito.

Aqui MANUEL BANDEIRA, poemas do livro “Ritmo dissoluto”, 1924, primeiro livro integrado na nova estética, máximo de combatividade formal nos versos que compõe até 1930 (nesse ano, livro “Libertinagem”, desenvolvimento da linguagem coloquial e irônica, dramaticidade com o poema “Pneumotórax”) - desejo de libertação + desenvolvimento de temas populares numa linguagem simples e comunicativa; tom melancólico, tempo que passa, saudades da infância, o mistério da morte.

1 --- EXPERIÊNCIA com alunos do fundamental, interpretação com quadro-de-giz e compatíveis imagens.

Poema MENINOS CARVOEIROS - “Os meninos carvoeiros (...) espantalhos desamparados.”

“carvoeiros” - fabricantes ou vendedores de carvão, os que dirigem bestas carregadas de carvão; almocreves

“- Eh, carvoero!” - omissão do ditongo, pronúncia popular brasileira, fala real dos meninos se auto anunciando pelas ruas, publicidade do que vendem, cena muito antiga - com o crescimento das cidades e substituição de carvão por outros combustíveis (querosene, gás), só assim esse tipo de explorado trabalho infantil desapareceu das ruas; ‘carvoeiro’, nível culto de linguagem, ‘carvoero’, nível popular

“E vão tocando os animais com um relho enorme (...) quando voltam (...) encarapitados nas alimárias” - vão tangendo; chicote de couro torcido; na ida, os burrinhos estão carregados com a mercadoria, na volta, animais livres do carvão vendido, meninos instalados no alto dos burrinhos

“Os burros são magrinhos e velhos” - diminutivo indica superlativo

“seis sacos de carvão de lenha” - observação que retrata uma idéia especial: peso exagerado para cada um dos burrinhos magrinhos

“A aniagem é toda remendada” - tecido do saco de carvão; pano grosseiro sem acabamento, de juta ou outra fibra vegetal, usado para confecção de fardos - ambiente de pobreza

“Os carvões caem. (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe” - logo que se inicia a noite; reforço da idéia de miséria, alguém mais pobre que aproveita as sobras

Palavras que se referem aos meninos - carvoeiros, carvoeros, raquíticos, pequeninos, ingênuos, miseráveis, adoráveis.

Palavras que se referem aos burrinhos - magrinhos, velhos, descadeirados.

“crianças raquíticas” - franzinas franzinas

“Só mesmo estas crianças raquíticas vão bem com estes burrinhos descadeirados.” - ambos se identificam em alguma coisa, muito magros

“burrinhos descadeirados” - os que arrastam as traseiras por estarem muito cansados

“adoráveis carvoeirinhos” - ponto de vista do poeta, queridos, ternos estimados - apesar da miséria, ainda sabem brincar - “apostando corida, dançando, bamboleando”

“ - Eh, carvoero!” - três vezes - ao que se presume, enquanto o poeta observa a cena e faz observações, os gritos se repetem

“vêm mordendo num pão encarvoado” - um pão encarvoado, diferença de sentido, mais enfática a palavra ‘num’, sugere que estão agarrados no pão, resultante da fome

“espantalhos desamparados!” - boneco ou qualquer objeto que se coloca no campo para espantar aves ou roedores; ao final, poeta compara os meninos a espantalhos, ambos os tipos mal-vestidos, desconjuntados, desengonçados, encarvoados, raquíticos, miseráveis, pobres

“Pequenina, ingênua miséria!” - miséria de criança pequena e ingênua, ainda inconsciente da exploração social

“Pequenina, ingênua miséria! Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!” - sentimentos do poeta: ternura, solidariedade, simpatia.

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2 ---- CONVERSA com alunos mais velhos.

‘Hic et nunc!” - BANDEIRA, imediatismo, recusa de espera, da paciência, do desvio e da frustração, desejo imperativo de satisfação. Aqui e agora.

Poema BALÕEZINHOS - “Na feira do arrabaldezinho (...) de desejo e espanto.”

“Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor” - quer desencalhar a mercadoria, transformar em valor de troca, porém os menininhos pobres apenas os “possuem” através de olhos também muito redondos // balõezinhos, mimese exterior que capta a feira-livre do arrabaldezinho como fotografia e cópia da realidade objetiva, ora através da expressão facial do menininhos, “pobres, fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos”, ora da cena semelhante às formas geométricas dos balões inamovíveis e encalhados. “Em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo interditado e espanto”. - tudo tem a mesma forma redonda - em redor, ajuntamento, tostão, tomatinhos, em torno...

Poema “NA RUA DO SABÂO” - “Cai cai balão (...) nas águas puras do mar alto.”

“Cai cai balão” - junho, São João

“balãozinho de papel” - diminutivo afetivo

“comprou o papel (...) cortou-o (...) compôs os gomos oblongos (...) ajustou o morrão de pez ao bocal da arame” - 4 fases, etapas da confecção de um balão - gomos, ovais, divisão da ‘laranja’ - morrão, pedaço de corda para se pôr fogo - pez, substância betuminosa, breu, piche

“Levou tempo para criar fôlego” - tomar coragem, encher

“mudava de cor” - o fogo do pez e o movimento do balão produziam essa mudança visual

“entesou” - esticou

“tosse muito / o corpinho tísico do José” - tuberculoso

“apupos” - vaias

“posturas municipais” - leis da cidade

- aquele outro tipo de balão (não o da feira) alçou vôo para se transformar “numa pequena coisa tocante na escuridão do céu”. Estrela/balão, símbolos de evasão e escapismo no contexto da poesia bandeiriana.

---Personas de Bandeira - o homem loquaz, os menininhos pobres e o rapaz tísico; este desobedece as posturas municipais e faz o balão - como uma espécie de terceiro pulmão, o balão Possi fôlego suficiente para alçar vôo e cair “no mar - nas águas puras do mar alto”, certamente local paradisíaco, água como símbolo do renascimento. // Em BALÕEZINHOS, sentimento de frustrações, evasão em NA RUA DO SABÃO.

Poema “OS SINOS” - “Sinos de Belém, sinos (...) que graça ele tem!”

Mimese exterior, onomatopeicamente plangeres dos sinos de Belém (bem-bem-bem) e da Paixão (bão-bão-bão) súmula autobiográfica no sino do Bonfim, apelo patético onde se concentra um misto de recusa e de aceitação, resumindo, se não o desejo da morte, pelo menos o de uma boa morte somente almejada - “...que vai ser de mim (...) baterás por mim?” - aspecto folclórico e mítico da realidade brasileira.

Poema “BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA”.

Exemplo perfeito e acabado da ‘água’ como elemento configurador do sacrifício - a santidade da nudez dela somente foi entregue ao barqueiro para que este a atravessasse ao outro lado do rio sagrado.

3 --- CONVERSA com gente mais velha.

Ele próprio foi o poeta da leveza - paixão pelas coisas vivas e pela fragilidade humana, foi também crítico de literatura e artes. Em 1930, publicou o livro “Libertinagem”, poemas escritos desde 1924. Em 1933, mudou-se para o bairro carioca da Lapa. Em 1936, 60 anos de idade! Severo crítico polivalente, escreveu sobre literatura, música, artes plásticas e cinema. Visitou o Salão de Artes de 1941, disseram que ele era cronista e não entendia nada de artes plásticas; ironizou: “Nem quero entender.” Ninguém lhe escapou: Jorge de Lima, Bastos Tigre, Sérgio Milliet, Machado de Assis, Lima Barreto......... Insatisfeito com “O caminho para a distância”, estréia de VINÍCIUS DE MORAES, saudou com entusiasmo o segundo livro. “Forma e exegese”, mais forte e mais impuro, no qual se respira “o cheiro bom do estrume”. Com a mesma franqueza, polemizou LASAR SEGALL e criticou numa entrevista os artistas que “desejam mostrar nos seus trabalhos formas de oposição, cores berrantes, linhas em choque, objetos que berram”. Falando dos haicais, minúsculos e preciosos poemas japoneses, lembrou que o grande mestre BASHÔ traz o trivial inscrito no nome Bashô que em japonês quer dizer ‘bananeira’ - o apelido surgiu quando se recolheu a Yedo para habitar uma cabana junto a um bananal, destruída por um incêndio, sobrou o nome e ele compreendeu que só se deve amar no mundo as coisas belas e passageiras; daí a opção de Bandeira pela leveza.

FONTES (parcialmente):

“Manuel Bandeira e O ritmo absoluto” (resumo) - SP. D.O.Leitura, ano 5, n.50, julho/86 // “O crítico e suas lições” - Rio, jornal O GLOBO, 20/06/09.

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