Cronicando sobre as nuvens
1. Gostaria de ter a necessária tranquilidade para cronicar onde, neste exato momento, eu estou.
2. Que o meu dileto leitor não dê risadas ao saber que, neste exato momento, encontro-me a bordo de um jato da Gol - Linhas aéreas inteligentes, voando a onze mil metros; rigorosamente sobre as nuvens. Mas vou tentar.
3. Estou a caminho de SAMPA. Tenho confessado, sempre que escrevo sobre minhas viagens de avião, que tenho um medo danada de voar.
4. Ah, dirão, que a gente só morre quando é chegado o dia. E eu respondo, repetindo alguém - não me lembro quem -, que "pode ser o dia do piloto".
5. Oh! Quantas viagens aéreas eu já fiz! Voos domésticos e internacionais; mas tremo, desde a decolagem, até o pouso. Por que isso?
O que acontece comigo que ainda não aprendi a voar...
6. Dias desses, um amigo, que usa o avião como seu Sandero, me deu um livrinho que ensina como voar sem medo. Li e reli. Mas somente o Rivotril, sofregamente engolido momentos antes da decolagem, me faz um passageiro corajoso.
7. E o voo segue, cortando o céu cheio de sol. Ocupando a poltrona da janelinha, à minha direita, Ivone, minha mulher, com a confiança de um Querubim e a fé de uma santa, lê, descontraída, a revistinha da Gol! Queria ser como ela...
8. E eu, inseguro e mudo, limito-me a digitar algum texto no meu IPad. Com muita dificuldade, vou encontrando as palavras que me ajudam a escrever uma crônica; ou nada escrever.
9. O leitor já deve ter notado que ocupo a incômoda poltrona do meio. Na poltrona do corredor, um cidadão carrancudo viaja parecendo um executivo com incontáveis horas de voo.
10. Chegou, aboletou-se, afivelou o cinto, e mergulhou num sono de um monge literalmente cansado, após uma estafante labuta claustral. Invejo sua coragem. Queria ser como ele.
11. E o voo prossegue. Procuro me divertir nos olhos das aeromoças, que, incansáveis, circulam, servindo o insípido lanche que a Gol (só ela?) oferece aos seus passageiros.
12. As aeromoças! Assim Drummond as chamava. Nada de comissárias. Para o poeta, a aeromoça ´"é a alma do avião, e seu quinto motor inefável e humanizante". E ainda as acaricia chamando-as de aeromusas.
13. Demoro meu olhar sobre elas. Em nenhum momento as vejo preocupadas; a não ser em servir o passageiro com "cuidados quase maternos", como frisou Carlos Drummond, em belíssima crônica.
14. Neste instante, o avião atravessa uma turbulência daquelas de arrepiar. Cintos afivelados, exige o comandante. Observo, pela janelinha, que a aeronave atravessa densas nuvens. Daí os sacolejos, que me parecem fatais. 15. De repente, a boa notícia: o comandante avisa que está iniciada a operação de descida, e que, em minutos, estará pousando em Congonhas.
16. O Aeropoto de Congonhas! Um dos aeroportos mais perigosos do mundo, segundo me disse um piloto amigo. O avião pousa no coração de São Paulo; desce raspando a cumeeira dos arranha-céus de Moema.
17. O cidadão da poltrona ao meu lado continua cochilando. E Ivone assiste o pouso, como se estivesse chegando à academia de Pilates, para mais uma aula rejuvenescedora...
18. E eu? Tenso, pedindo a Santa Clara uma aterrisagem feliz e recitando a Oração para Aviadores, de Manuel Bandeira.
"Santa Clara, clareai. / Afastai / Todo risco. / Por amor de S. Francisco, / Vosso mestre, nosso pai, / Santa Clara, todo risco / Dissipai.
19. Um dia, saberei voar. Sem precisar aporrinhar meus santos protetores e esconder, encabulado, debaixo da língua, um minúsculo comprimido de Rivotril...
Afinal, em Congonhas!
1. Gostaria de ter a necessária tranquilidade para cronicar onde, neste exato momento, eu estou.
2. Que o meu dileto leitor não dê risadas ao saber que, neste exato momento, encontro-me a bordo de um jato da Gol - Linhas aéreas inteligentes, voando a onze mil metros; rigorosamente sobre as nuvens. Mas vou tentar.
3. Estou a caminho de SAMPA. Tenho confessado, sempre que escrevo sobre minhas viagens de avião, que tenho um medo danada de voar.
4. Ah, dirão, que a gente só morre quando é chegado o dia. E eu respondo, repetindo alguém - não me lembro quem -, que "pode ser o dia do piloto".
5. Oh! Quantas viagens aéreas eu já fiz! Voos domésticos e internacionais; mas tremo, desde a decolagem, até o pouso. Por que isso?
O que acontece comigo que ainda não aprendi a voar...
6. Dias desses, um amigo, que usa o avião como seu Sandero, me deu um livrinho que ensina como voar sem medo. Li e reli. Mas somente o Rivotril, sofregamente engolido momentos antes da decolagem, me faz um passageiro corajoso.
7. E o voo segue, cortando o céu cheio de sol. Ocupando a poltrona da janelinha, à minha direita, Ivone, minha mulher, com a confiança de um Querubim e a fé de uma santa, lê, descontraída, a revistinha da Gol! Queria ser como ela...
8. E eu, inseguro e mudo, limito-me a digitar algum texto no meu IPad. Com muita dificuldade, vou encontrando as palavras que me ajudam a escrever uma crônica; ou nada escrever.
9. O leitor já deve ter notado que ocupo a incômoda poltrona do meio. Na poltrona do corredor, um cidadão carrancudo viaja parecendo um executivo com incontáveis horas de voo.
10. Chegou, aboletou-se, afivelou o cinto, e mergulhou num sono de um monge literalmente cansado, após uma estafante labuta claustral. Invejo sua coragem. Queria ser como ele.
11. E o voo prossegue. Procuro me divertir nos olhos das aeromoças, que, incansáveis, circulam, servindo o insípido lanche que a Gol (só ela?) oferece aos seus passageiros.
12. As aeromoças! Assim Drummond as chamava. Nada de comissárias. Para o poeta, a aeromoça ´"é a alma do avião, e seu quinto motor inefável e humanizante". E ainda as acaricia chamando-as de aeromusas.
13. Demoro meu olhar sobre elas. Em nenhum momento as vejo preocupadas; a não ser em servir o passageiro com "cuidados quase maternos", como frisou Carlos Drummond, em belíssima crônica.
14. Neste instante, o avião atravessa uma turbulência daquelas de arrepiar. Cintos afivelados, exige o comandante. Observo, pela janelinha, que a aeronave atravessa densas nuvens. Daí os sacolejos, que me parecem fatais. 15. De repente, a boa notícia: o comandante avisa que está iniciada a operação de descida, e que, em minutos, estará pousando em Congonhas.
16. O Aeropoto de Congonhas! Um dos aeroportos mais perigosos do mundo, segundo me disse um piloto amigo. O avião pousa no coração de São Paulo; desce raspando a cumeeira dos arranha-céus de Moema.
17. O cidadão da poltrona ao meu lado continua cochilando. E Ivone assiste o pouso, como se estivesse chegando à academia de Pilates, para mais uma aula rejuvenescedora...
18. E eu? Tenso, pedindo a Santa Clara uma aterrisagem feliz e recitando a Oração para Aviadores, de Manuel Bandeira.
"Santa Clara, clareai. / Afastai / Todo risco. / Por amor de S. Francisco, / Vosso mestre, nosso pai, / Santa Clara, todo risco / Dissipai.
19. Um dia, saberei voar. Sem precisar aporrinhar meus santos protetores e esconder, encabulado, debaixo da língua, um minúsculo comprimido de Rivotril...
Afinal, em Congonhas!