Assim ou... nem tanto. 96
A Feiticeira
(Para Lília Tavares)
É um lugar incomum. Todas as casas parecem feitas sem prumo, cor de terra e as ruas marcadas ao sabor de quem precisava ampliar o quintal, riscavam-se, assimétricas, a partir da Matriz seiscentista e perdem-se por onde calha. O Hospital é um nome pomposo para um lugar com uma enfermeira sem curso e um médico desactualizado que nunca está. O dono do único café da terra vende tudo, das alfaias agrícolas ao cimento e às couves. Às terças tem bolos frescos e a fruta, de todos os calibres, ou é comprada ou apodrece com um cheiro acre que é agradável quando misturado aos aromas do vinho, do bagaço de uva, das comidas da Gertrudes.
Apeou-se a Feiticeira da camioneta que resfolegava calores e cansaços no Largo. Ria por tudo e por nada. Explicaria depois que forçava o riso porque precisava mesmo era de gemer as dores das cruzes derreadas na viagem. Mas a primeira impressão é a que vale - disse - daí o riso, o ar de felicidade que nem tinha, o aspecto de muita saúde e força porque era importante obter logo um grau elevado de aprovação. Disse que a bagagem vinha depois e nem sabia quando tal o descaminho das malas com roupas e dinheiro. Observada, deitou logo mãos para ajudar a descascar batatas e depois de separar as cascas para os coelhos ofereceu-se para tratar dos bicos. Ficaria num canto qualquer, a roupa que lhe emprestassem serviria, que era uma mulher simples, a comida pagaria com trabalho. - Depois ajudo-te nos deveres da Escola Manelito e a seguir vou dar uma massagem à tua Avó. Nos dias seguintes, a Feiticeira já se arriscava a dar conselhos, a organizar as coisas, já lhe pediam opinião e o Adriano quando estava por perto ficava com um ar de estúpido que até incomodava. É a simpatia que tem pela senhora, comentavam, ele é bom homem e tem terras e gado. E a Feiticeira, dona daquelas artes todas não disse nada mas sorriu por dentro.