Se não fosse o samba
 
          O morro, o sol, o mar e a lua esperaram por ele por mais de quatrocentos anos. Chegou adolescente, não havia sequer adquirido o sotaque baiano. Precisava de acolhida e encontrou nos morros.
          Portugal não havia trazido o fado e não podia, ele surgiu depois. Ainda bem, não pelo valor cultural e sim, pelo pertencer exclusivo à alma.  A contribuição portuguesa foi trazer a cultura africana para o Brasil.
          O samba é do espírito e de todo o corpo. Da cabeça que pensa, compõe, coordena o quadril, as pernas, os pés, o gingado e requebro que parece deixar cair o tronco no momento da transferência de peso.
          Cresceu sob a intolerância, vítima da discriminação do poder. Como prova de capacidade, uniu o cavaquinho ao violão em harmonia. O surdo ao pandeiro na marcação da cadência e desceu o morro para conquistar o asfalto.
          Logo, uma garota de Copacabana, dessas que gostam de andar bacana e quando passam todo mundo fica admirado e outra de Ipanema, das que vêm e que passam num doce balanço a caminho do mar, mostraram não haver na partitura do samba, compasso para preconceito.

          Predisposto a desafios, acolheu novas formações.  Associou flauta, saxofone, trompete, reco-reco, cuíca, tantã, tamborim e instrumentos sem classificação musical, como caixa de fósforos, garfo e prato, bater de palmas, até sons tirados de outras partes do corpo humano e com ousadia, na companhia do piano, subiu ao palco do teatro municipal do Rio de Janeiro.
          Sua raiz é o samba de roda, gêmeo da roda de capoeira e sendo raiz, sustenta caule e ramas: as variações musicais. O Samba de breque e gafieira, partido alto, samba-enredo e canção, pagode e bossa nova... E junções com outros ritmos como choro, rock e funk...
          Espalhou ramificações por outros Estados, onde a força mais próxima é São Paulo. Também se internacionalizou, mantendo residência no Japão, Estados Unidos da América e Europa.
          Na história de ritmos populares, como o tango argentino, a rumba cubana e o fado português, embora estes não possuam a identidade que o samba tem com os cariocas, praticantes e admiradores sofreram perseguição por preconceito. Ao final da querela, o chefe da polícia pelo telefone mandou avisar que sempre, a força do povo, exercida através da expressão da arte, será vencedora.
          Porque se não fosse o samba, não seria outro. Não apenas por uma questão de um ritmo, uma dança e sim, pela identidade cultural e geográfica da cidade. Onde não é propósito, tomar um chope, ou se firmar boêmio sem ele. Imaginar a mulata sem o samba, ou ele sem ela, não seria o Rio de Janeiro, a capital do samba.
 
Notas do Autor: compositores das músicas.
Pelo Telefone - Ernesto dos Santos (Donga) & Mauro De Almeida.
Garota de Copacabana - José Gonçalves (Zé da Zilda).
Garota de Ipanema - Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
 
 Ed Arruda