Juliana a Amante do Mundo
Há uns dias tenho tido necessidade de escrever não sei o quê, pois que aqui se vão então, pequenos, curtos, às vezes longos impulsos de minha totalidade. Coisas que me vêm e eu tenho cotidianamente anotado em pedaços de papel. Outras tanto me tocam que eu tenho preferido gravar apenas no coração.
Falando primeiramente de uma auto-descoberta recente de uma tal moça: esta muito se assemelha a mim, até por traços físicos com os quais ela me vem a mente, que muitos poderiam acusar-me de sê-la.
Pois que digo de antemão: é filho meu tudo o que crio, pois assim ela também custa-me o sangue.
É de certa descoberta dessa moça que falo, então, que nasce uma chama de prosa em mim. Ainda: daqui em diante estou me seguindo inconsciente.
Esta moça que antes de dormir, toda se rodeia em frente ao espelho: quão bela se achava. Talvez não de uma beleza clara, mas de um veneno doce.
Os cabelos avoados em longos cachos - aí digo que assemelham-se aos meus - da moça, essa que se chamava Juliana, às vezes prendia os cheios longos cabelos crespos num só coque sobre a cabeça, encarnando assim uma verdadeira mulher africana.
Empoderava-se toda à beira de elogios.
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Bem, já agora confesso estar sendo possuída por um desânimo típico de quem escreve afobado.
Talvez eu, impressionada que sou, tenha ido - como diz minha avó - com "sede demais ao copo d'água"; pois que então agora esgota-se minha energia para contar-lhes da moça pernambucana que pisava sobre terras frescas.
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Mas fica-lhes claro que esta moça era puramente abençoada com um deserto de fadiga e culpa, feito eu que estou agora exaurida.
Meus filhos me arrancam pedaços violentos e eu continuo sorrindo apática.
A música toca ao fundo, acompanhando quase muda meus pensamentos, tal qual as gotas de uma chuva lenta a cair bem em frente à minha janela. A casa toda dorme ofegante e de confiados olhos bem cerrados.
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Mas é que Juliana não suporta o peso da luz (quem haveria de suportar?). Certa vez li num livro de minha muito admirada escritora Clarice L., uma pergunta que me pôs meditativa: Qual o peso da Luz?
Enfim, já que não se há resposta para o que apenas se sente e não se acredita, sem vir a ver ou ouvir, Juliana não suportava mais o peso de uma suposta tão íntima enganação. Era pecado para os que viviam à sua volta. Era bruto e infiel, era armado em aço o fato e o amor inesperados. Mas exigia uma libertação. Aquele amor já tomara partido de seu mais humano. Já havia se tornado o peso da Luz em seu coração.
Eis que então, num gesto de maior coragem que alguem pode tomar: o de se admitir sob os olhos de outros, Juliana sai às ruas e poços:
-Eu não vos quero! Eu não vos aguardo. Eu amo melhor, eu amo o mundo, eu amo o meu e eu já amei as moças!
_Carolina L. Oliveira.
2017