NIETZSCHE E A UNIDADE

Sabemos o quanto, em Turim, Nietzsche estava absolutamente em transe dionisíaco, tomado por uma força avassaladora. Seu Zaratustra de 1888 é considerado por ele o mais terrível livro já escrito, uma bomba, a ponto dele temer imensamente que um dia o proclamem santo... Em seu transe, o filósofo diz estar escrevendo a Filosofia do Grande Meio Dia. É nesse estado de espírito que em uma carta de Turim de 3 de janeiro de 1889, escreve para Cosima Wagner, esposa do imenso Richard Wagner: À princesa Ariana, minha amada.

Que eu seja um homem é uma desvantagem. Mas eu já vivi entre os homens e conheço tudo aquilo que os homens podem provar, das coisas mais baixas às mais altas. Fui Buda entre os indianos, Dioniso na Grécia — Alexandre e César são minhas encarnações, da mesma forma Lorde Bacon, o poeta de Shakespeare. Por último, fui ainda Voltaire e Napoleão, talvez Richard Wagner... Mas desta vez venho como o vitorioso Dioniso, que fará da terra um dia de festa... Não terei muito tempo... Os céus se alegram que eu esteja aqui... Fui também colocado na cruz".

O que passara com o filósofo? Loucura? Iluminação? Delírio de febre ou uma profunda experiência mística que nos lembra Mestre Eckarht e São João da Cruz? Há um bilhete escrito pelo filósofo endereçado para Jacob Burckhardt, ainda em Turim, no dia 5 de janeiro de 1889. Nele o pensador já não cita grandes iluminados, filósofos, líderes, heróis e "O Crucificado", mas "apenas" criminosos da época: “Eu sou Prado, sou o pai de Prado, ouso dizer que sou também Lesseps (...) Sou também Chambidge (...) O que é desagradável e constrange a minha modéstia é que todos os nomes da história, no fundo, sou eu — finalmente Dioniso e o Crucificado”.

Qual será a chhave para entender tais reflexões? Penso que seja seu conceito de Eterno Retorno, ou ao menos que o conceito de Eterno Retorno deve ser levado em conta. Em "A Gaia Ciência", §341 ele afirma:

"Essa vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem —e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e

eu mesmo. A perene ampulheta do existir está sempre virada novamente —; e você com ela, partícula de poeira!".

Apesar de interpretações cosmológicas ou teológicas existirem, penso que a ideia de Eterno Retorno apresenta a dicotomia entre o Ser Eterno e Universal e o ego particular e transitório. Claro que, enquanto sou este indíviduo, minha experiência parece ser isolada e desconexa. Mas se não sou este ego, se me identifico ao Ser, então já vivi tudo o que foi vivido e viverei tudo o que está por vir. Na medida em que não me situo no tempo, fragmentado em passado, presente e futuro, mas habito o Eterno Agora do Eterno Retorno, então não há nada que eu não tenha sido ou serei. Eis a experiência absoluta da unidade.

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Para saber mais, é fundamental o artigo de Rosa Maria Dias:

http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/import/pdf_articles/OQNFP_18_04_rosa_maria_dias.pdf