CRUEL E DESUMANO
Outro dia a cabeleireira Adriana Aparecida, como faz toda semana, foi ver seu filho no presídio de Hortolândia-SP. Para entrar lá, como simples visita, teve de submeter-se a uma revista íntima que remonta à Idade Média: tirar a roupa, abaixar-se três vezes de frente e de costas e abrir as partes íntimas até quase deixá-las do avesso. Isto porque o Estado não tem dinheiro para comprar a aparelhagem (scanners e detectores de metal) que faria o exame de forma menos humilhante. Desta maneira, é como se não existisse a lei, de 2.014, que passou a proibir esse tipo de procedimento nos presídios. Ao que me consta, na ocasião, ninguém esbravejou em favor de Adriana Aparecida. As palavras CRUEL e DESUMANO não ecoaram nos corredores palacianos, nos gabinetes de ministros e parlamentares, nem na boca dos mais conceituados advogados do país.
Mas, agora, estas mesmas palavras chegaram ao Supremo Tribunal Federal. Estão reluzindo numa petição que desembarcou apressadamente nas mãos do Ministro Edson Fachin, assinada pelo advogado de Costa Loures. E Sua Excelência terá o elevado encargo de decidir, em regime de urgência, se é cruel e desumano raspar a cabeça do “homem da mala” - com prisão preventiva decretada - antes de mandá-lo para a Papuda. Porque é isso, com essas palavras, o que o seu ilustre advogado pede, em nome do princípio da dignidade humana. E o Ministro vai interromper todo o seu trabalho (“cessa tudo o que a musa antiga canta...”) para consultar seus alfarrábios e afinal decidir (“...porque outro valor mais alto se alevanta”) se o homem de confiança do Presidente pode levar para dentro da prisão a sua esvoaçante cabeleira.
Ainda que não se entenda direito o porquê dessa exigência, ceifar os cabelos do encarcerado (se for questão higiênica há de se cortar também os pelos do saco e adjacências), o caso mostra, de uma forma escandalosa, quantos brasis há dentro do Brasil.
Um deles é o Brasil de Adriana Aparecida: "No começo, eu sofri demais, eu chorava, eu não queria passar por isso, mas pelo filho a gente faz tudo. É uma humilhação". Assim, Adriana, que não é criminosa, não é suspeita e nem investigada, que nunca recebeu nenhuma mala com um real sequer, toda semana tem de arregaçar (essa é a expressão) a sua genitália na frente de olhos estranhos se quiser ver o filho.
Já no Brasil de cima o cidadão não quer ser despojado provisoriamente de suas madeixas, que em poucas semanas floresceriam normalmente por influxo da própria natureza. A vaidade fala mais alto do que a ideia do ilícito. O que importa é ficar bonito na foto. Se ficar feio, como o Eike Batista ficou, aí é CRUEL e DESUMANO.
De qualquer forma, o complexo prisional da Papuda já conta com uma ala especial destinada a essa nova clientela formada a partir do “mensalão”, para onde certamente será conduzido o “homem da mala”, com cabelo ou sem cabelo. E as visitas que ele receber também certamente não terão de submeter-se ao mesmo procedimento que tira o sono e a dignidade de Adriana Aparecida. Afinal, desde sempre, uns são mais iguais do que outros.
Tudo debaixo do nosso nariz.
“Isso tudo acontecendo e nós aqui na praça dando milho aos pombos.”