Assim ou ...nem tanto. 95

O Anjo

Fechou os olhos justamente quando o anjo passou. Por isso não soube dizer nada. Por que fechou os olhos? Haveria muitas justificações cabíveis mas preferiu dizer que os fechara para dar mais atenção ao lado de dentro. - O pior da cegueira, disse, é ver coisas que o cérebro garante não terem sido vistas. Umas vezes a cabeça precisa de negar, com todas as suas forças, a realidade que a fere, outras é só o simples ato de rejeitar evidências indesejáveis. - Fechei os meus olhos naquele momento por mero acaso porquanto não tenho razões de queixa de qualquer anjo nem me repugna que andem por aí a endireitar o que todos os homens, de uma ou outra forma, entortam. Se o tivesse visto te diria de como era de altura, de roupas e de envergadura de asas. Assim, tudo o que posso com honestidade garantir é que senti o ar lavado, a brisa doce despentear-me os cabelos, o som de umas quantas flautas chegar aos meus ouvidos. Na altura achei que sonhava, pensei que se abrisse os olhos a pureza do ar, a brisa e a música desapareceriam, pensei que, mantendo-me longe daqui, na noite voluntária, não colidiria com a luz do que percebi ser uma entidade celestial e poderia, depois da maravilha, ter olhos meus aptos, vulgares, capazes de ver tudo o que quero, de perto e de longe, de muito perto como quando te olho assim à procura do futuro no fundo dos teus. Não vi o anjo, não vi a queda de flores que dizes nem senti que, à sua passagem, se abriam os caminhos. Ia jurar ter visto tudo como está agora e acredito que, na pressa de se esconder, o anjo se recolheu em ti.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 06/06/2017
Reeditado em 06/06/2017
Código do texto: T6020113
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.