A gente se acostuma

A gente se costuma mentir e mentir muito, principalmente pra nós mesmos que está tudo bem, mas não deveríamos.

A gente se acostuma se acordar tarde, já com a preguiça no corpo e achar que vendo programa de televisão é entretenimento pro coração e não é.

A gente se acostuma a levar tudo na cara, cuspida, soco, chuva e percebe que as palavras doem muito mais e ainda mais vindo de quem se ama.

A gente se acostuma vendo a geladeira lotada de coisa pra comer e quando ela vai esvaziando a gente coloca culpa na outra pessoa que ela deveria repor e não repondo a gente é obrigado a viver mastigando coisas em silêncio por medo.

A gente se acostuma, vendo poemas antigos, falando besteira com os amigos, se viciando com a internet só pra se livrar de algumas dores, mas não deveríamos nem ler, nem só falar besteira, nem ficar tão dependente da tecnologia.

A gente se acostuma a ser humilde, de sempre se arrepender, de falar quando deveríamos apenas ficar quieto.

A gente se acostuma chorar escondido, entre uma música ou outra só pra tirar o peso da desgraça, se ferindo mais ainda se mutilando a cada dia.

A gente se acostuma ver as horas muito frequentemente, minuto há minuto tentando se adormecer sempre a cada fim de noite.

A gente se acostuma a queimar dinheiro quando tem de sobra e quando não tem mendiga pro destino sempre culpando a si mesmo, mas não deveríamos.

A gente se acostuma a criar expectativa antes e depois, criando cenas do se possível fosse e que não era e nada que pensamos foi.

A gente se acostuma com a solidão, com as piores notícias, com as piores respostas, com sumiço do ente querido vivo sem dar explicação.

A gente se acostuma a ser diferente nas entrevista de emprego, um bela camisa, uma singela simpatia, um suspiro nervoso e não deveríamos.

A gente se acostuma com a política que rouba na cara lavada, se acostuma com a violência da cidade, no ônibus lotado, com as balas de hortelã, com o conforto comprado, com o voto perdido.

A gente se acostuma a ficar em casa, andando em zigue-zague, na mesma rota entre a pia e a mesa e acaba ficado cego e obcecado em desastre do eu lírico.

A gente se acostuma ver todo mundo saindo da nossa vida, partindo nossos corações, rasgando a saudade a lápis.

A gente se acostuma a ser social com todo mundo, mas na verdade queríamos ficar em casa sem fazer nada.

A gente se acostuma prezar a mãe, fazer tudo por ela e que ela seja feliz e possa desfrutar de tudo o que nós desfrutamos na infância e adolescência e quando isso não acontece sua mãe se culpa, te culpa e culpa a vida.

A gente se acostuma a ferir os outros e os outros te ferem também e fica um eterno chumbo trocado não dói, mas dói, fuzila.

A gente acostuma beber orgulho e ainda com cachaça, um orgulho seco e nos leva a até um espelho que a gente acaba enxergando o quanto porre que somos.

A gente se acostuma com medo, o medo de ir na padaria, de vestir roupa colorida, de cortar o cabelo, dos garotos de moto, de descer o ônibus, daquela rua que brincávamos quando éramos crianças e que hoje é impossibilitada de passar.

A gente se acostuma a ficar triste de noite, de fazer aqueles mesmos rostos na janta, de ficar olhando no escuro pra se reconhecer.

A gente se acostuma com o pior cigarro do bar, com a fadiga cansada, de rezar sempre pro mesmo Deus e fazer sempre o mesmo pedido e falar sempre a mesma frase: Eu só vim agradecer.

A gente acostuma a alimentar e fé com café e a esperança com pão e o melhor de colocar isso na mesa pedindo a anjos, mas sendo egoísta com próximo.

A gente se acostuma com tudo isso e nós só vamos se dar de conta, quando não deveríamos mais agir assim, por que somos apenas pó.

Psicopata Perdido
Enviado por Psicopata Perdido em 06/06/2017
Reeditado em 06/06/2017
Código do texto: T6019971
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.