O CASARÃO DA RUA XV ESQUINA COM BENJAMIN CONSTANT
O CASARÃO DA RUA XV ESQUINA COM BENJAMIN CONSTANT
Quem sai da Praia de Itararé pela Av. Presidente Wilson, chega, ao término desta, na Praça do Correio e, seguindo em frente, desce pela rua Benjamin Constant, aos fundos do Clube de Regatas Tumiarú. A primeira esquina é o cruzamento com a rua XV de Novembro, uma das ruas mais movimentadas de São Vicente. Ali hoje há um grande edifício, e, em frente, um movimentado supermercado. Nem sempre foi assim. Nessa esquina foi, durante muitos anos, a sede do Esporte Clube Beira Mar, cujo distintivo era vermelho e preto, escrito com letras brancas “E. C. Beira Mar”, para os frequentadores mais assíduos, o “Bera”. Antes de ser sede do Bera, era uma ampla casa dentro de um terreno enorme, que ia da rua XV até os fundos do Tumiarú. Ao lado direito ficavam os fundos das casas da rua Expedicionários Vicentinos, onde moravam algumas ilustres figuras vicentinas, entre elas a família do prefeito Luís Beneditino Ferreira ( pais dos meus amigos Paulo e Heitor Ferreira), os Detter ( Carlos, meu amigo até hoje) e outras. Na realidade eram duas casas. De frente para rua XV o muro era alto e a entrada era feita por um portão verde de duas folhas. Havia então uma escadaria com degraus curvos corrimão de alvenaria e uma varanda grande. Coisas que já não vemos mais, com essa exigüidade de espaço atual. Ao lado, junto à rua Benjamin Constant, um quintal espaçoso com anormes pés de jaca. Após um muro interno, era a segunda casa, onde moravam os proprietários, um casal de alemães já idosos. Meu pai alugou a casa da frente e fomos morar nesse pequeno paraíso, perto do Grupão, onde eu estudava, e do Tumiarú, onde eu e meu irmão passávamos as tardes jogando basquete. Eu devia ter uns dez anos, era 1955 ou 1956, por aí. A proprietária falava um português arrastado e era a encarnação da senhoria rigorosa e implicante. Vivia bisbilhotando nossa vida. Uma pentelha. O mais interessante eram os cachorros que ela tinha: uma cachorra chamada Neli e um cachorro chamado Tupi. Neli era uma cachorra marron de pelo liso e curto. Tupi, um grande pastor alemão de pelagem escura, que me apeguei assim que o vi. Eu, cachorreiro desde que nasci, fiquei fascinado com o cão. Foi o cachorro mais folgado que já vi. Tinha mania de deitar em nossas camas quando achava a portas do quarto abertas. De repente, do nada, aquela enorme figura, deitava do seu lado. Era cada susto!
Durante a época que moramos ali aconteceram coisas inesquecíveis, que trago sempre na lembrança. Paulo Ferreira era uma figura. Chamado de Paulo Maluco, sempre inventava algo que agitava a vizinhança. Explodiu uma bomba feita por ele no quintal de sua casa,e foi uma confusão geral. Tirou brevê (carta de habilitação para pilotar aviões) e passou voando sob a Ponte Pensil em um dia de maré baixa. Teve a habilitação cassada. Anos depois, eu, ele eo Heitor fizemos uma viagem a Belo Horizonte, que foi muito divertida. Era um cara do bem, divertido, do qual guardo boas recordações. Morreu poucos anos depois dessa viagem.
Nossa casa era uma espécie de quartel general da família. Meu tio Manoel, irmão de criação da minha mãe, havia casado com a Ivone e ela estava grávida. Foi ter nênê em nossa casa. Lembro mais ou menos como foi. A parteira chegou toda de branco e se trancou com a minha mãe, a irmã da Ivone e, lógico, a própria Ivone. Eu nem imaginava quem era ou o que fazia aquela mulher. Só lembro que, após umas horas, ouvi o primeiro choro do meu primo Carlinhos. Entendi o que havia acontecido, mas nem fazia idéia como essas coisas funcionavam. Era outra época, e como os bêbês vinham ao mundo não era do meu conhecimento.
De outra feita ( outra feita é ótimo!) meu pai deu o endereço para um cidadão de São Paulo e o cara apareceu com mulher e duas filhas. Após uma semana, meu pai chamou o cidadão em um canto e deu-lhe um ultimatum: teria de sair dia seguinte, pois nossa casa não era hotel. . Acho que, por êle, estaria morando com a gente até hoje. E muitas outras estórias aconteceram nessa época.