O MARTELO DE VÓ MARIA

Enquanto degustava uma canja quentinha, nesta noite assolada por uma onda de frio intenso, espiando pela janela o arvoredo contorcendo-se ao açoite gelado da aragem, retomei algumas cenas de "O tempo e o vento" .
De repente a tesoura !
(Aquela com que as parteiras cortavam os cordões umbilicais) que pertencera à mãe de Ana Terra e foi passando mais tarde à outras tantas gerações, fez-me relembrar o martelo de vó Maria, a "Nha Teixeira", que guardo ainda hoje em minhas relíquias.
É claro que a tesoura da história teve um significado muito grande e, longe de mim ,querer traçar um paralelo com a simbologia do objeto da narrativa.O que pretendo dizer, é destas coisas singelas, simples objetos que acompanham gerações retendo em suas formas lembranças de tantos e tantos momentos.
Razão pela qual , nossos saudosismos , os fazem preservados com tamanho carinho.
O martelo de vó Maria, segundo suas palavras, pertencera à seu bisavô. Depois que vovó faleceu, meu pai o cuidou com muito zelo e hoje sou eu quem o preservo.
Era com êle que, ao redor do fogão à lenha, vó Maria preparava os tão conhecidos "bilés".
Coisas do Sul,que nada mais são que alguns pinhões, assados ou cozidos , batidos com o martelinho de madeira até formar uma deliciosa pasta.
E , esta pasta deliciosa , quentinha e cheirosa, me era servida ao redor do fogão, acompanhada de uma caneca de ágata com café e leite, bem adoçicados, transbordando em generosa manta de nata.
O "adulado" que vos fala, devia ter algo em torno de uns cinco anos.A idade era pouca , o tempo tenta embaçar, mas a teimosia da lembrança é nítida.
A cozinha com assoalho de tábuas largas, um pequeno degrau, o fogão à lenha,uma janela abrindo-se para as pereiras de galhos desnudos ,o feno encoberto por um branco lençol de gelo.

No terreiro , galos desafiando no gogó as friorentas manhãs do Sul. A carroça de tio Elias à caminho da lavoura,a timidez dos primeiros raios de sol varando a porta entreaberta.
Tudo tão frio lá fora.Tanto calor entre aquelas paredes.A chaleira chiando recados de mundos que só vovó conhecia. Um olhar distante, pensativo, o ruído meio sinistro da água do chimarrão sugado da cuia de porungo.
As mãos enrugadas da velhinha buscando o calor da chapa quente.
Como era doce aquele café. Quão doces eram aquelas manhãs!
Joel Gomes Teixeira