O profundo silêncio das madrugadas.

           Quatro horas da manhã, segunda-feira, no criado mudo o despertador toca tremulando na madeira, Larissa acorda assustada, desfaz-se do sono tranquilo. Ela levanta, senta na cama, o corpo parece não querer despertar, ela estica os braços e se espreguiça para espantar o sono que ainda insiste em vencê-la. Tateando com os pés descalços no piso frio Larissa procura seu chinelo, a passos curtos ela caminha até porta do banheiro no final do corredor. A bexiga apertada para urinar, alívio imediato, ela lava seu rosto, água fria, sabonete líquido com aroma de flores, escova os dentes, de retorno ao quarto ela escolhe a roupa para ir ao trabalho, calça apertada blusa colada ao corpo magro. Antes de sair ela arruma sua cama pega o seu crachá e as chaves e vai para a cozinha.

           Na mesa da cozinha uma cesta de frutas, maçã, bananas, laranjas, abacate e pera. Larissa lava uma das maçãs, a corta em quatro pedaços, olha para o relógio, quatro e dez em ponto. Apressada ela sai, faz uma oração silenciosa no portão da sua casa e ganha a rua escura degustando sua maçã. O poste de frente da sua casa está com a luz queimada, ela olha de um lado para o outro, ninguém a vista, a passos apressados ela continua a caminhar pela calçada esburacada e desnivelada, alguns metros a frente Larissa entra em outra rua a direita e logo ganha a Avenida Itavuvu, um pouco mais aliviada ela chega ao ponto de ônibus, é a primeira a chegar ao ponto, nunca atrasou, em dez anos de trabalho ela nunca atrasou sempre pontual, mesmo doente durante muitas vezes, Larissa sempre foi exemplar em seus horários, nunca deu motivos para reclamações.

           O profundo silêncio da madrugada era rompido com o barulho ruidoso do motor do ônibus das empresas. Três ônibus de empresas particulares passavam antes do seu. No céu escuro um clarão inesperado riscou um raio de um lado a outro, alguns segundos depois um tímido trovão, prenúncio de uma tempestade que se aproximava. Larissa preocupou-se, ela não estava com guarda chuva, o primeiro ônibus havia passado quase no mesmo momento em que sua amiga Maria chegava ao ponto de ônibus, era sempre assim, nessa mesma ordem. Um discreto sorriso na face sonolenta de Maria, Larissa sempre respondia com voz baixa.

- Bom dia amiga.

           Ela respondia no mesmo tom quase inadiável.

           - Bom dia Larry.

           E logo depois o silêncio.

           O ônibus apontou ao longe, destino, terminal santo Antônio, e somente depois dentro do terminal outro ônibus para vila do Éden onde ficava a empresa que Larissa trabalhava. Ela acenou com o braço, o motorista parou, dentro do ônibus havia apenas duas mulheres, também indo trabalhar. Larissa entrou no ônibus e foi direto para os últimos bancos, até o terminal ela teria alguns minutos de sono, que não pareciam nada, mas para ela fazia toda a diferença. A cidade de Sorocaba ainda dormia o profundo silêncio da madrugada, embalando o sono de Larissa a caminho do terminal, o sacolejar do ônibus não era empecilho para os preciosos minutos de descanso. Afinal, o dia seria longo, muito longo, ela era mais uma entre tantos trabalhadores na cidade de Sorocaba, que todos os dias rompem o silêncio da madrugada, e silenciosos em o seu curso de uma luta que nunca tem fim.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 01/06/2017
Reeditado em 01/06/2017
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