Assim ou ...nem tanto. 94
O Gato Vermelho
Era um gato vermelho. Era tão vermelho que parecia de fogo. Ardia. Vencido o medo chamei-o para lhe fazer festas, um afago, o carinho que costumo dedicar a quem gosto, ao que gosto. E o bicho veio, dócil, a arder como uma tocha. Quando o vi de perto, a pedir que o acarinhasse, espantei-o. Tive medo de me queimar. Sei, agora que saí do sonho, que aquele gato era o amor. Trazia um recado para mim e, assim como ninguém pode sonhar os meus sonhos, ninguém poderá viver por mim os meus afectos nem queimar-se no fogo que me estiver destinado. Aprendi tarde tudo isto quando já não tenho sonos fortes, nem sou jovem, nem vêm mais gatos aos raros sonhos de que me lembro. Ai quem me dera sonhar hoje com um, dois, mil gatos vermelhos, brasas que transportassem a este corpo seco e cansado um pouco de amor. Quem dera sair por um tempo deste corpo, e voltar ao baile como da primeira vez, escolher para dançar quem viesse com um gato vermelho, se possível a arder, a arder, a arder.