A beleza dos céus.

Uma amiga um dia me perguntou o que eu pensaria se tivesse mil anos de idade... Bem, até hoje ela está sem resposta. É uma pergunta demasiado difícil para um filósofo... É preciso pensar muito antes de responder qualquer coisa. Mas, se eu tivesse mil anos, eu iria querer conhecer todos os céus do mundo!

O céu de Ícaro é realmente mais belo que o de Galileu?

Creio que somente aqueles que não conseguem se deleitar com a fina beleza das teorias científicas - com o conteúdo estético de uma teoria simples e elegante - pode de fato pensar dessa forma. Mas aquele que vê a ciência como obra de arte, compreenderá as palavras de Pessoa:

"O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso".

O céu de Ícaro é belíssimo, sem dúvidas. É um céu de sonhos e liberdade, de impetuosidade e tragédia. É o céu trágico dos gregos.

Homero, Hesíodo, Sófocles, eram homens cheios de céu. E seus céus eram céus de muitos deuses.

O céu de Galileu não é menos grego... É o céu de Pitágoras, e do Timeu de Platão, o céu de Aristarco e de Hypatia, o céu neoplatônico e matemático, o céu geométrico de Copérnico. Galileu "descobriu" que as estrelas são números!

As galáxias, são números combinados, e o universo é uma equação. A equação, todavia, é uma forma de canto. Um salmo.

A descoberta de Galileu, por isso, é paraceida com a de Jack Kerouac, que no alto das montanhas em Mount Baker, após conhecer o Grande e Eterno Urso, Avalokitesvara, e "compreender" que a vida é um pensamento na Mente Eterna de Deus (Vijnana), algo já enunciado pelos antigos vedas, e também por Berkeley e Sir James H. Jeans, olhou para os céus e entendeu que "as estrelas são palavras".

As estrelas são números e são palavras. Verbos númericos. Poesia geométrica. As estrelas são poemas.

O céu infinito de Bruno, assim como o de Anaximandro, com infinitos mundos, o levou a morte pelo fogo.

Kepler também olhou para os céus. Mas foi além. Ele ouviu os céus. Dançou ao som de sua eterna música. No céu de Kepler as estrelas são cantatas. Bach, Beethoven, Mahler, Strauss... Todos mensageiros do cântico dos cânticos.

E o céu de Bilac, pleno de beleza e encanto, não é assim como o céu de Kepler, um céu musical e melodioso, sempre a emanar a música das esferas? *

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite,

enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo? "

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e e de entender estrelas"

Um dos mais belos céus, contudo, é o céu de Vincent van Gogh! Seu céu vivo e pulsante, em vibração constante, sempre fumegante, nos banhando de luz durante as noites estreladas. Estonteante...

Nenhum desses céus deve ser "O Verdadeiro". Todos são suficientemente belos para ser contemplados e desfrutados igualmente.

Mesmo o céu de Ptolomeu... Por que esquecê-lo? É uma linda obra de arquitetura. Deve ser preservado como memória do engenho humano. O céu de Ptolomeu e de Aristóteles é uma Catedral Gótica. Não há motivos, dentre os amantes da beleza, para não amá-lo.

E uma das mais belas coisas do céu, é a Lua.

Sim, também não há uma única lua... Mas muitas luas, assim como muitos Walt Withmans e Pessoas...

A lua dos Paralamas é um sucesso: "Tendo a lua, aquela gravidade aonde o homem flutua, merecia a visita não de militares, mas de paraninfos, e de você e eu". Lindo! A lua é templo, espírito, símbolo de amor e mistério, de medo e fascínio. Não é lugar para homens da guerra, mas para cientistas e poetas.

A lua de Catulo da Paixão Cearense é de uma beleza agreste e cândida sem igual: "Não há, oh gente, oh não, luar como esse no sertão". Nunca vi sol como o de Punta Ballena, e nunca vi lua como de São Borja. No início desse ano estava em São Borja quando ouvi Tristão e Isolda de Wagner. Mas não havia nínguem por perto. De onde vinha tão bela e grave melodia? Era a lua. Imensa, quase um sol, soberba e majestosa, semi-dourada, pairando acima do mundo como uma Rainha que vislumbra seu reino. Uma Rainha como Daenerys Targaryen, cuja autoridade é espiritual. A lua de São Borja deve ser esposa do sol de Punta Ballena n'algum conto de fadas, pensei com meus botões...

Isso me fez lembrar do céus de Tolkien, acima de um mundo de fantasia... Do céu de J. K. Rowling, observando lá do alto um menino redentor cheio de magia...

A lua do Fausto de Goethe também é sublime:

- "E tu, oh lua cheia, que pelo céu vagueias. Pela última vez o meu sofrer franqueias! Quantas vezes me vês aqui, à meia noite, Em vigília a sentir do sofrimento o açoite! Debruçado a estudar dos livros a escritura, És minha companheira em horas de amargura".

- "Quem me dera voar para as altas montanhas, Como a luz que tu expeles pura das entranhas, Com espíritos pairar em doces altitudes; Dos páramos sentir tantas novas virtudes, Liberto da ciência, essa pesada cruz, Nos teus vastos domínios me banhar de luz".

E o Drácula de Abraham Bram Stoker, não age sob o domínio da lua? Não é a lua a grande mecenas dos suspenses de Edgar Alan Poe? A lua, não é ela, que torna as noites de Arthur Conan Doyle tão misteriosas? Os crimes que demandam o poder dedutivo de Holmes e Watson, sim, começam na lua. O mesmo vale para os mistérios a ser desvendados por Poirot. São lunares.

Será o céu de Shakesapeare impessoal? Se como afirma Cassius a Brutos em Júlio César, Ato I Cena 2, a culpa não é das estrelas, então o mundo humano e o mundo celeste não se confundem. Ora, mas o mesmo Shakespeare é quem o diz em Hamlet, Ato 2, Cena 2, que poderia viver recluso numa casca de noz, e ainda assim ser o rei do espaço sem fim. É o céu dos físicos teóricos. O céu de Einstein, e expressamente, o céu de Hawking.

O céu de Nietzsche é apenas um instante na história universal, onde, n'algum rincão qualquer, animais inteligentes inventaram o conhecimento, para então desaparecer instantes depois...

O céu de Poincaré não é menos efêmero, mas é bem mais gracioso. Realmente é apenas um clarão em meio a eterna noite escura. Mas esse clarão é tudo!

Lindo e profético é o Céu de Caetano:

"Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante

De uma estrela que virá numa velocidade estonteante

E pousará no coração do hemisfério sul

Na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena

E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida

Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá

Impávido que nem Muhammad Ali

Virá que eu vi

Apaixonadamente como Peri

Virá que eu vi

Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee

Virá que eu vi

O axé do afoxé Filhos de Gandhi

Virá"

Há o céu de Antoine de Saint-Exupéry, onde um pequeno princípe tem um mundo só seu... O céu de Lewis Carroll, por onde Alice desceu depois de passar pelo espelho...

Majestoso é o ceú de Kubrick em 2001: Uma Odisséia no Espaço. Ao som de Also Sprach Zaratustra de Strauss, esse céu é capaz de nos fazer estremecer.

Como não lembrar do sol abrasador das tardes sufocantes de Macondo, e da lua doce e sedutora das noites inebriantes de Cartagena de Indias? O céu de Garcia Marquez manifesta a dialética de Heráclito. Forças opostas em Guerra batalham em fulgurante sinfonia

De quantos céus, quantas luas, estrelas, autores, estou esquecedo? Ora, seria um projeto infindável enumerar todos os sóis do mundo...

Apesar de muitos céus, lá no fundo, de cristãos e budistas, ateus e islamitas, agnósticos e judeus, o céu que queremos mesmo é o ceú da redenção, e queremos a qualquer custo. É o céu de Guimarães Rosa em A hora e a vez de Augusto Matraga:

"Para o céu eu vou, nem que seja de porrete!".

Mas não precisa ir de porrete não, Seu Augusto, pois há o céu de Suassuna em O Auto da Compadecida. O céu onde sempre há um julgamento, é bem verdade, mas onde uma Nossa Senhora cândida e sertaneja sempre convence um Jesus negro que, a despeito de todas as nossas faltas, merecemos nascer de novo. E assim renascemos, na terra de Chicó e ao lado de João Grilo, com um sol de fogo e uma lua de prata sob nossas cabeças, e um céu de poesia a embalar nossos sonhos.