Quero palmas
O auditório estava claro, o ar condicionado ligado e as pessoas cheiravam a perfumes diversos, sabonetes importados, cabelos tingidos e escovados, era clima de festa. O mestre de cerimônias lia com esmero os nomes daqueles que iriam compor a mesa, platéia eufórica, era o dia das homenagens. Todos que ali estavam estivera durante grande parte do ano se doando a alegria alheia, de um hospital de clientela pobre onde muitos atravessavam a cidade a pé, por não terem condições de pagar o ônibus ao necessitar de consulta, outros vinham de longe sem um centavo no bolso, passando fome sobre carrocerias empoeiradas ou fundos de automóveis se misturando a coisas e animais. Os homenageados daquela tarde eram responsáveis por provocar os sorrisos nos lábios das crianças tristonhas que tomavam remédios pelo braço, dos velhos com frio que se embrulhavam a cobertores ao meio dia, pelos corredores a fora se vestiam de palhaço e dançavam sem musica alguma, tocavam nos violões canções saudosas que livrava aquelas almas do medo rigoroso do resultado dos exames e das noticias de ruins de longe. Mas dentro do auditório as falas se confraternizavam, abraços iam surgindo da espontaneidade, e o mestre de cerimônias seguia seus formalismos, pediu que todos se posicionassem para o ouvir o hino nacional. Como sempre, é difícil prestar atenção na musica do hino com tantas caretas que alguns fazem tentando adivinhar a letra. Uma das homenageadas que já tinha suas décadas acumuladas nas costas não se importava mais com quem lhe tirava o sarro, por isso resolvera que assoviar acompanhando a musica era bom negocio, até seria, se ela não fosse traída pela dentadura que se soltara da boca batendo nas costas do colega da frente, sem perda de tempo ela passou os olhos para certificar-se que não fora flagrada no bizarro lançamento de dentes ao próximo e acomodou-os no interior da boca, quem vira, tratara de não constranger à senhora, que abandonando o assovio passara a usar as mãos para acompanhar. Após aquela formalidade o mestre de cerimônias montara a mesa de coordenação dos trabalhos, sisudo de voz aveludada iniciara a leitura dos nomes a receber o certificado de bem feitores, um a um iam se levantando assim que o nome era citado, junto com aquele ato acompanhava uma chuva de palmas que conduzia o felizardo até o local dos abraços e fotos. Eurídice sentia-se mal, talvez alguma coisa não houvesse lhe caído bem no almoço, suava frio, às vezes um zumbido ecoava nos ouvidos, as vozes desapareciam, ela suportava, não podia se levantar naquele momento, nem o celular estava com ela para um possível álibi. O mestre de cerimônias não cessava, lia o nome, a pessoa se levantava e as outras batiam palmas. Uma onda de peristaltismos formara-se nas entranhas da moça, dali a ocorrer um desastre de proporções incalculáveis o melhor seria se ausentar com brevidade, enquanto isso o mestre de cerimônias continuava lendo os nomes, as pessoas se levantando acompanhadas pelas palmas. O pum espremido feito trompete desafinado avisara que era bom correr, e coincidentemente levantara poucos segundos após o mestre de cerimônia ler o nome de uma homenageada de nome parecido, Eurídice sentindo o intestino trovejar andara o mais rápido que podia, as palmas lhe acompanhavam, iniciara a corrida contra o tempo, rezando que o banheiro se encontrasse livre, a pressa era necessária, mas antes passaria ao lado da mesa das homenagens, as palmas se agitavam, por acharem que se tratava de uma homenageada. Chegara dolorosamente ao banheiro e por lá ficara sem ver o desfecho com lanches e mais fotos. A noite em casa, tranqüila com o marido e os filhos se achara de rememorar a aventura quase trágica.
— Meu bem, você já ouviu falar que alguém é aplaudido por ir ao banheiro? – Disse com um sorriso amarelo, olhando o marido.
— Eu não! Você já? – Devolveu o marido.
— Não, claro que não! – Respondeu Eurídice com uma sonora gargalhada.