O COADOR DE PANO.
Sou carioca. Durante trinta anos, vivi as delícias e os assombros comuns às grandes cidades. Sou a segunda filha de quatro irmãos. E, quando ainda solteira, morando com meus pais, vivemos em vários bairros do Rio. Gosto muito de praias, mas confesso que a vida agitada das cidades grandes me deixa um pouco atordoada. Trânsito, engarrafamentos, buzinas, assaltos, multidões...Cada vez mais, a vontade de viver em lugares mais tranquilos foi crescendo. Até que aos trinta, já casada e com filhos, mudei-me para outro estado, um pouco mais tranquilo porém, ainda um pouco longe daquilo que desejava.
Trago boas recordações do tempo em que vivi com meus pais e irmãos. Minha mãe nasceu numa cidadezinha no interior do Rio de Janeiro. E era para lá que corríamos em dias de feriadão, férias ou datas como carnaval, quando as grandes cidades ficam ainda mais agitadas. O lugar é tão pequenino que mais parece um povoado. E era lá, que meus avós maternos ainda moravam. Ah, como era gostoso os dias de paz e tranquilidade naquele lugarzinho esquecido pelos mapas e pelo resto do mundo...Onde vivem pessoas de bom coração. Onde o tempo faz morada e passa devagar. Pessoas humildes que até hoje conservam o jeito simples de ser, e que não se deixaram contaminar pelas espertezas e maldades da vida moderna das grandes metrópoles.
O lugar chama-se: “São Sebastião do Paraíba”, município de Cantagalo e é banhado pelo rio “Paraíba do Sul.” A casa da minha avó ficava às margens do rio. Casinha simples, bem do jeitinho dos moradores da pequena cidade. No quintal, havia roseiras, primorosamente cuidadas, mangueiras, limoeiros, goiabeiras, bananeiras, laranjeiras...patos, galos galinhas, perus...Na cozinha, o fogão à lenha estava sempre em chamas, para o café, o almoço e o jantar. E era com seu bondoso coração também em chamas de amor, carinho e ternura que ela nos recebia, a nós e quem mais chegasse. Eram todos bem-vindos. Antes mesmo de entrarmos, já podíamos sentir o cheirinho provocativo do almoço cozinhando no fogão. Humm, ainda guardo em minha memória olfativa aquele aroma gostoso do peixe frito pescado na hora...direto do rio para a mesa, da galinha ensopada, o quiabo, o angu, mandioquinha, feijão fresquinho, recolhidos do próprio quintal. Sem venenos, sem conservantes, sem químicas. O leite era fresco também, consumido logo após a ordenha, preservando o sabor e os nutrientes.
Pela manhã, acordávamos com o cantar do galo e também dos canários, os bem-te-vis e tantos outro pássaros, quando os primeiros raios de sol batiam nas janelas. E já podíamos sentir o cheirinho do café passado no coador de pano. Acompanhava a broa de milho, é claro. Após o café, tínhamos algumas opções: cavalgadas, pescarias, caminhadas, pedaladas, banhos de rio ou de cachoeiras. Quantos banhos de rio eu tomei...Hoje, infelizmente, não saberia dizer se a qualidade da água ainda permite essa façanha. À noite, o “point” era a pracinha. Onde tínhamos um pouco de tudo: crianças correndo pra lá e pra cá, comadres colocando as fofocas em dia, casais jurando amor eterno, missa na pequena igrejinha, os fiéis provadores de cachaças, e meu tio, no banco da praça, entoando canções diversas em seu inseparável violão. As serestas e serenatas ao luar invadiam as madrugadas de um céu esplendorosamente, estrelado.
Faz tempo que não volto, lá. Alguns parentes, com tristeza no coração, precisaram sair da cidade para que seus filhos seguissem com os estudos. Meus avós se mudaram apenas uma vez. Somente quando viraram estrelas. Minha mãe, faz três anos, decidiu juntar-se a eles. As boas lembranças a gente carrega pra sempre...E, vez ou outra, nos vêm à tona; quando ouço o cantar do galo, quando sinto o cheirinho do café passado no coador de pano, ou escuto o estalar da lenha queimando no fogão. E quando a saudade bate bem forte, eu me lembro de que nada nessa vida é eterno, e me sinto feliz por ter tido a oportunidade de ter vivido esses momentos que continuam vivos na minha memória, até o dia que eu vire estrela, também.
Elenice Bastos.