Prato sem ovos
“Precisamos verificar que, quando nós vemos doações eleitorais oficiais que estão dissimulando pagamento de propina, é preciso atentar para esse fato. É preciso que não só aquele que está pagando a propina seja punido, mas, sobretudo aquele partido ou candidato que está recebendo também o seja nesses atos de lavagem. É preciso dar uma basta no caixa dois que acaba gerando abuso do poder econômico, e sequestrando, daqueles candidatos que querem realmente participar de um pleito justo, limpo, equilibrado... de eles contribuírem no processo eleitoral. Finalizando, tenho certeza de que essas medidas simples vão contribuir sensivelmente não só no aprimoramento do combate à corrupção, mas, sobretudo no aprimoramento da nossa democracia representativa”, Ângelo Villela, procurador da República, preso recentemente pela Polícia Federal sob a acusação de tentar interferir nas investigações da “Operação Greenfield que apura fraudes em fundos públicos de pensão e favorecimento a uma empresa de celulose do Grupo J&F”, controlador também do frigorífico JBS.
As palavras do procurador Villela devem fazer parte do que pensa a sociedade quanto à necessidade de pleitos eleitorais “justos, limpos e equilibrados”, quanto à prática criminosa do caixa dois e quanto a doações eleitorais oficiais usadas, como sabemos, para a dissimulação do pagamento de propinas. Acrescente-se a isso o fato de que Villela compareceu ao Congresso para defender as “Dez medidas de combate à corrupção”, também certamente do agrado da sociedade, que devem ter ensejado dentre os congressistas a necessidade de serem protegidos com legislação contendo o “abuso de autoridade” por parte de membros do Judiciário.
A prisão do procurador, portanto, acusado de procurar interferir na apuração de fraudes, tendo em vista o que disse a respeito do caixa dois, propinas, etc., deixa-nos surpresos por contrariar o que pudéssemos pensar a seu respeito.
No entanto, se essa prisão tiver de fato procedência, evidenciam-se duas situações que devem ser consideradas: primeiro, a correta medida do Judiciário relativa ao “cortar na carne”, quando pune um de seus próprios membros; e depois, a questão do discurso, que embora se apresente de forma irretocável, de início, pode posteriormente não corresponder aos atos de seu autor.
A segunda situação, relativa à retórica, como também estamos cansados de saber, é de frequência absoluta dentre os políticos, situacionistas ou oposicionistas. Dizem uma coisa e depois se contradizem através de atos que em nada confirmam suas afirmações anteriores. Fazem-nos ver, portanto, “quatros ovos dentro de um prato”, para usarmos uma expressão italiana, quando na realidade não existe nenhum.
A chamada direita todos conhecemos bem. Estão aí Aécio, Geddel (com trânsito no PT), Edson Lobão, Temer (com trânsito no PT), Renan, Jucá e muitos outros, alguns com trânsito eventual na esquerda. Todos acostumados a legislar em causa própria. O que impede que seus atos correspondam ao que discursam. O que surpreende é a chamada esquerda, com a tradicional retórica favorável aos trabalhadores, pobres, negros e desassistidos e um conluio promíscuo com os que dizem a mesma coisa, do “outro lado”, de preferência enquanto não chegam ao poder.
Rio, 29/05/2017