Lirismo e o astronauta bêbado

A única coisa parecida com ascensão e queda no espaço é a bebida. Sem apologia ao vício. Considero o espaço sideral além da metafísica. Ninguém deve denominar o astronauta de alcoólatra graças ao trago na subida. Na bebida o trânsito é diferente, digo: O trânsito é diferente na bebida! Não se deve beber na direção.

Infração grave que deve ser respeitada. É triste ver como se perdem vidas na estrada diante da embriaguez. Se vai beber não dirija.

No caso do astronauta é diferente. Não havia placa dizendo: se vai subir, não beba! Nem sempre lançamos mão das idéias claras sobre o fato. Para o sujeito ser elevado aos píncaros deve entusiasmar uma boa dose de água que passarinho não bebe. É a curiosidade humana que nos leva a deduzir se é ou não terrível uma bebidinha escondidinha na roupa estofada até a estação mais próxima. O nosso primeiro marujo do espaço deve perdoar a brincadeira etílica de poeta desengonçado. O fato de o álcool ser líquido que não hidrata, deve ser experiência inesquecível, basicamente no espaço sideral.

Pois se bebeu... foi socialmente. Aqui na terra o encanto do trago bem humorado vale algumas considerações. O astronauta é o único capaz de desmontar um mínimo de magia que há lá cima, adesivo a solidão do seu ofício. Beber no espaço é tão curioso a mente humana quanto dormir e sonhar na amplidão suprema. O cérebro nutrido com algumas doses mente a si mesmo que possui certa leveza no começo do tranco. No astronauta um provável efeito tríplice daquilo que na terra é singularmente dúplice realizaria no enigma um conforto. Ninguém disse que abusaram... O melhor é perdoar algo tão sem gravidade. Sabemos que os bêbados criam façanhas momentâneas caras à sociedade. A situação do astronauta é diferente: preso às circunstâncias e jogando a si próprio dentro de limites desconhecidos, também o mandarim chinês ligou três foguetes a sua cadeira para atingir as alturas. Não há notícias de que tenha tomado aguardente antes da ação desses desejos elevados.

A notícia andou alguns dias no ar para desaparecer do interesse comum em poucos dias. Tenho certeza de que o mundo pedirá a eles que não bebam, mas não sabemos até que pontos estão certos. Foi no mínimo um exemplo incomum e talvez a idéia base resumisse a inclinação de fundar um bar em cada início de civilização intergaláctica. Nada de alcoolismo degenerado. Apenas um recanto aprazível para consolo das magoas universais. O primeiro indício contra todas as certezas. Um abandono do medo. A mesma receita primeira para esmagar o vinho tão logo são dominadas as chamas que produziram a primeira embriaguez. O fato é: só as máquinas resistem ao espaço. Viver lá em cima com oxigênio controlado e sem produção de ar é desgastante e inútil. Retornam moles e aos pedaços porque nossos ossos naufragam na ausência de firmeza e peso. Como na bebida há descalcificação.

Talvez fosse melhor limpar os mares antes de subir. Ou anunciar de vez a solidão sideral de uma vez por todas. Para diminuir os custos e reduzir a pobreza. A menos que um caminho desconhecido nos leve ao encontro da ternura, do lírico, do inefável.