_____________O Chique do Inverno
— Adoro o inverno, estação que deixa a gente mais chique!
Na mesa ao meu lado, em um restaurante, escuto uma moça expressando sua preferência pelo inverno. Mania que tenho de pegar carona no que escuto, me ponho a filosofar: muito, muito relativa essa questão das estações. Há quem ame se encasular nos tons dos outonos; há quem se delicie com o frisson dos corpos nos verões suados das praias; os que se perdem embevecidos nas estampas florais das primaveras. E, por fim, os que se aconchegam nos chocolates quentes e nas elegantes peças que vestem os invernos.
Deixar o inverno por último na romântica fila das quatro estações, não foi mero acaso, foi de propósito mesmo. O comentário da moça, e um outro lado de ver as coisas, ficaram me fustigando as ideias. O inverno é chique? O inverno é chique! — afirmarão os amparados pela quentura dos cachecóis, a beleza das echarpes finamente jogadas nos ombros, e o conforto das botas forradas.
Então é? Ser ou não ser, não é esta a questão. O que me chama a atenção é o olhar unilateral das pessoas sobre si, sobre o mundo. A visão de que somos todos iguais, turva a capacidade de análise, não vai além da frase feita, apregoada numa lei vazia. Não, não somos, nem nunca seremos todos iguais. Muito menos o inverno, ou as outras estações, são tempos iguais para todos: o inverno, por exemplo, é rígido, rigoroso, terrivelmente doloroso para os pobres, os desabrigados, os desvalidos.
Quem passar pelas praças em tempos hibernais há de ver o “chique” do inverno se encolher entre panos ralos, cobertores imundos e furados, "ornamentando" grotescamente camas de papelão, sob marquises, ou qualquer anteparo que sirva pra amainar o vento gélido das madrugadas.
Então o inverno é chique? É chique para quem pode. Para quem pode entrar em lojas caras e adquirir os mais finos acessórios, compondo o charme desta estação que, sem dúvida, esbanja beleza e conforto nos desfiles das passarelas, ou ambientes sociais frequentados pelos mais favorecidos. Ah, mas para quem só tem um cobertor “sapeca...” — omitido o resto da expressão por questões óbvias — a coisa não é tão linda, nem tão glamourosa assim.
Portanto, se você puder, calce suas botas, se enrole em suas lãs, se agasalhe em seus casacos e afirme: “Meu inverno é chique”. É um direito que lhe cabe. Só não generalize: "O inverno é uma estação chique”. Esse é um risco tremendamente desleal de realçar ainda mais a desigualdade gritante que nos cerca — altamente evidenciada nos tempos dolorosos de ventos cortantes, gélidas temperaturas e ossos enrijecidos, para os que têm as estrelas como teto.
— Adoro o inverno, estação que deixa a gente mais chique!
Na mesa ao meu lado, em um restaurante, escuto uma moça expressando sua preferência pelo inverno. Mania que tenho de pegar carona no que escuto, me ponho a filosofar: muito, muito relativa essa questão das estações. Há quem ame se encasular nos tons dos outonos; há quem se delicie com o frisson dos corpos nos verões suados das praias; os que se perdem embevecidos nas estampas florais das primaveras. E, por fim, os que se aconchegam nos chocolates quentes e nas elegantes peças que vestem os invernos.
Deixar o inverno por último na romântica fila das quatro estações, não foi mero acaso, foi de propósito mesmo. O comentário da moça, e um outro lado de ver as coisas, ficaram me fustigando as ideias. O inverno é chique? O inverno é chique! — afirmarão os amparados pela quentura dos cachecóis, a beleza das echarpes finamente jogadas nos ombros, e o conforto das botas forradas.
Então é? Ser ou não ser, não é esta a questão. O que me chama a atenção é o olhar unilateral das pessoas sobre si, sobre o mundo. A visão de que somos todos iguais, turva a capacidade de análise, não vai além da frase feita, apregoada numa lei vazia. Não, não somos, nem nunca seremos todos iguais. Muito menos o inverno, ou as outras estações, são tempos iguais para todos: o inverno, por exemplo, é rígido, rigoroso, terrivelmente doloroso para os pobres, os desabrigados, os desvalidos.
Quem passar pelas praças em tempos hibernais há de ver o “chique” do inverno se encolher entre panos ralos, cobertores imundos e furados, "ornamentando" grotescamente camas de papelão, sob marquises, ou qualquer anteparo que sirva pra amainar o vento gélido das madrugadas.
Então o inverno é chique? É chique para quem pode. Para quem pode entrar em lojas caras e adquirir os mais finos acessórios, compondo o charme desta estação que, sem dúvida, esbanja beleza e conforto nos desfiles das passarelas, ou ambientes sociais frequentados pelos mais favorecidos. Ah, mas para quem só tem um cobertor “sapeca...” — omitido o resto da expressão por questões óbvias — a coisa não é tão linda, nem tão glamourosa assim.
Portanto, se você puder, calce suas botas, se enrole em suas lãs, se agasalhe em seus casacos e afirme: “Meu inverno é chique”. É um direito que lhe cabe. Só não generalize: "O inverno é uma estação chique”. Esse é um risco tremendamente desleal de realçar ainda mais a desigualdade gritante que nos cerca — altamente evidenciada nos tempos dolorosos de ventos cortantes, gélidas temperaturas e ossos enrijecidos, para os que têm as estrelas como teto.