FRAGILIDADES
Dia quente, horário de pico, já havia lamentado o direito sonegado de sofrer em paz na janela do ônibus cheio, refletia profundamente sobre as possibilidades gastronômicas perdidas ao pagar a passagem absurda, quando ouço a frase que geralmente me faz finalizar os motivos de mau humor durante a viagem: Boa tarde queridos, desculpe atrapalhar a viagem de vocês... Não desculpo! Pensei enquanto tirava os fones de ouvido, sem nenhum motivo plausível, quando normalmente eu aumentaria o som. O rapaz proferiu por intermináveis minutos aquele discurso que não me lembro,mas todo mundo sabe de cor. Eu li o informativo e debochei internamente do tema: Dependência química. -q? Mas a nécessaire era bem brega, a minha cara! E impermeável! Logo, eu não tinha dinheiro. Devolvi o material, que nem sei porque havia pegado, e já estava com o fone a caminho do ouvido para voltar ao TEU AMOR ME PEGOOOOOU! Quando o trocador perguntou ao jovem: bora pra casa? Notei o rapaz trocar o peso dos pés, suspirar pesadamente e responder com um sorriso sem graça, não alto, mas audível: Vou descer no próximo e pegar o ultimo. Faltam 10 reais para bater a meta diária, no próximo termino, se Deus quiser. Silêncio. Dois minutos se passam e ouço três pessoas ao mesmo tempo: Moço!
As nécessaire custavam 4 reais. O rapaz recolheu os 15. Ninguém pediu troco. Ele olhou para o trocador suspirando pesadamente outra vez: Agora vou para casa, graças a Deus. Sorriu largamente. Eu sorri também. Voltei ao meu universo, já tocava riders on the storm, dom dom dom dom...e tudo parecia diferente.