Um socorro perigoso

Ela tinha todas as incertezas do mundo e uma consulta marcada para as 16 h. arrumou-se apressadamente, prendeu os cabelos em um coque e, saindo do pequeno apartamento, desceu o lance de escadas em direção a rua. O consultório de psicologia ficava próximo, há apenas algumas ruas e aquele momento quase sagrado chegava quinzenalmente como um bálsamo para ela, que buscava em uma hora e meia de consulta, um nesga de ar puro em uma vida sufocante.

Aguardou na recepção do consultório, pequeno mas muito bonito e bem decorado, até que a recepcionista a chamou pelo nome: - Senhorita Lucia, pode entrar. Boa consulta.

Ela entrou timidamente e cumprimentou o Dr. evitando olhá-lo nos olhos, como sempre, e sentou-se na poltrona clara, pondo a bolsa de lado e arrumando os fios de cabelo que escapavam por trás das orelhas. – Já estou bem, doutor, não se incomode. Ter perdido o emprego me fez explorar outras habilidades e já até tenho outro em vista, se tudo der certo. Assim, poderei retornar ao curso de pós-graduação que interrompi por conta do desequilíbrio financeiro. Sabe que a psicologia tem me interessado? Com sua atenção e ajuda já até penso em um novo curso.

Tenho escrito melhor e lido mais, devido a seus conselhos. Essas são as habilidades não reconhecidas ainda e que agora tenho deixado fluir. Ah, mas não mostro tudo que escrevo ainda. Com o novo emprego chegando isso irá acontecer. Estou indo devagar. Quanto a cuidar mais de mim, ainda estou tentando. Não é fácil lidar com a perda das poucas pessoas da família que me apoiavam. Estar sozinha no mundo não é fácil. Mas tenho saído um pouco mais para relaxar e refletir. Reparou as unhas? Esta semana fiz, apesar desses cuidados nunca terem sido fundamentais pra mim. Ninguém repara, mas o Dr. tem razão quando diz que nos faz sentir um pouco melhor.

E só então após essas colocações, olha nos olhos o psicólogo que a ouve atentamente. Cabelos negros, óculos delicados e um sorriso desconcertante. Ele faz anotações, sem também, olhá-la diretamente. As mãos morenas e ágeis transcrevem o que é dito com precisão e desenvoltura.

- Doutor, no entanto desde que as consultas começaram, há um mês, tenho dormido menos. Custo a pegar no sono quase todas as noites. Escrever um diário de emoções para me conhecer melhor como você indicou, também não consegui. Sinto-me repetitiva. É como se as emoções diárias fossem as mesmas. Os pensamentos são os mesmos e me cercam todo o dia. Ando mais ansiosa, pelas consultas inclusive. Não sei explicar essa sensação de frio... na barriga. De vento no coração. De uma espécie de inquietação, talvez. Isso me acometeu e só disso não tenho melhorado. Espero que eu possa ter para tal emoção tratamento contínuo.

E após concluir esses relatos de forma ainda mais tímida do que os começou, despediu-se com um sorriso entreaberto e levantou-se buscando ocasião para tocar as belas mãos atenciosas em sinal de agradecimento e saiu com o suspiro no peito, sem suspeitar que aquele que trazia a cura e o alívio era o mesmo que já tinha lhe adoecido a alma. E esperava a próxima consulta, a próxima mão estendida. Entregue totalmente, aos ouvidos mais sensíveis e ao sorriso que a faziam entrar por um caminho sem volta, caminho que ela ainda desconhecia.