SEM IDENTIDADE.

        Com passos curtos ele foi seguindo o seu caminho, cruzou a avenida de um lado para o outro, era madrugada de uma sexta-feira. O céu estrelado, luar desdobrado no firmamento exibindo toda a sua beleza. Aquele senhor barbudo, de chapéu escuro, sem nome, passou por mim, cumprimentou - me educadamente.

- Bom dia moço.

        - Bom dia senhor. Respondi.

        Aquele olhar pequeno, a barba esbranquiçada, roupas sujas e rasgadas, chinelo nos pés. Quem o vê, certamente que o confundirá com algum andante qualquer, embora eu desconheça o seu nome, eu sei que ele tem uma identidade, e não me refiro a cédula conhecida como RG, ou o CPF, o que ele faz todos os dias tornou-se sua identidade.

        Carrinho de ferro a puxar avenida afora, aquele simples senhor recolhe papelão e recicláveis, de tudo um pouco, tudo que possa ser reciclado e reaproveitado. Seu carrinho estava cheio naquela madrugada de sexta-feira, ao longo da avenida ele já havia recolhido dos tambores de lixo todos os materiais recicláveis, como papéis, papelão, latas de alumínio, pedaço de eletrônicos velhos, garrafas de vidro, e tudo mais que você puder imaginar. Não só o que havia nos tambores, mas também o que havia pela avenida afora. Aquele senhor de poucas palavras fez um verdadeiro trabalho de limpeza, talvez ninguém o enxergue, não conhece o seu verdadeiro nome, mas com toda certeza sabe que aquela atitude diária de catar recicláveis tornou-se a sua verdadeira identidade, atitude muito louvável.

        Vivemos em uma sociedade em pleno declínio sócio cultural, pessoas que perambulam pelas madrugadas, geralmente vindo de festas regadas a álcool ou até mesmo drogas, quantas vezes eu presenciei jovens jogando garrafas de vinho vazias e latas de cerveja na mesma avenida mencionada nesta crônica, quantas vezes presenciei esse mesmo senhor, vindo logo atrás desses jovens desordeiros, recolhendo a bagunça deixada para trás. Qual é o valor que aquele senhor tem? A sociedade preza muito àqueles que pouco tem para oferecer, como esses jovens bêbados, filhinhos de papais, mimados e egoístas, mas aquele senhor, que valor ele tem para essa mesma sociedade que o enxergam como um andante qualquer. Entristece-me ver tais coisas, e nada poder fazer.

        Outro dia aconteceu algo inusitado. Era manhã de um sábado, eu estava no ponto de ônibus dessa mesma avenida, oito horas da manhã, aquele mesmo senhor apareceu de repente, o ponto de ônibus fica em frente a um mercado de uma senhora. Ela gentilmente cumprimentou aquele senhor, ofereceu-lhe um copo de café e um pão com mortadela, o senhor aceitou, agradeceu pelo café, sentou-se ao meu lado, começamos então um breve diálogo, me surpreendi ao saber que a família daquele senhor fora uma das mais ricas do interior, e que eles o desprezaram por ele ser catador de reciclagem, não questionei os motivos que o levou àquela situação. Apenas ouvi o que ele tinha a dizer, a minha admiração que por ele que já era grande ficou ainda maior. Perdoe-me, mas não quero revelar o nome daquele senhor, mas encontrei nele, um ser humano admirável.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 23/05/2017
Reeditado em 23/05/2017
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