DONA GENI
Da série:Meus tipos inesquecíveis
Chegaram numa tarde de sábado.Um casal de idosos,nossos novos inquilinos.
Iriam morar por algum tempo na casa que pertencera aos meus pais.
Meados de outubro,calor intenso,e tudo o que nos separava era um muro encoberto de madressilvas com aquele cheiro doce destilando-se ao sol da estação.
Juntos, minha esposa e eu, fomos dar-lhes as boas vindas.
Encontramos tão somente a nova vizinha. O esposo havia retornado com o caminhão de mudanças para buscar o restante das “tralhas”, segundo suas palavras.
Sentada num sofá, ladeada de trouxas, caixas, móveis desmontados e louças, a nossa inquilina fumava calmamente um cigarrinho.
Chamava-se Geni.
Uma expressão serena nos olhos esverdeados e a face gorducha iluminavam-lhe o sorriso cativante.
As palavras fluiam-lhe mansas, ternas...
A leveza de sua presença,(apesar dos seus quase 100 quilos),nos cativou de pronto.
Foi amor à primeira vista, ou à primeira visita...Algo semelhante ao reencontro com a mãe.
Um desejo quase infantil de colo , de chamego, de meter as mãos nos bolsos do avental, catar uma bala, um pirulito, e ser chamado de...Filho!
Disfarçadas as carências, fizemos-lhe perceber o nosso contentamento pela chegada e a promessa da bandeira da boa vizinhança.
E foi assim que transcorreram os quase tres anos em que o muro das madressilvas nos separou.
A inquilina mostrou-se o tempo todo, nossa segunda mãe. Cozinheira das boas, fazia questão de dividir conosco as suas iguarias. Assim, cena comum, era ouvirmos um chamado e aquêle sorriso gorducho insurgindo-se por entre as ramagens do outro lado do muro,com um “agradinho” feito na hora.
Eram pães, bolinhos de chuva, franguinho com farofa, e...Bolos!
Deliociosamente preparados pelas suas mãos habilidosas.
Encobertos por uma toalhinha, recebiamos fatias de rocambole, bolos de chocolate e bolos de fubá com sementes de funcho, além dos docinhos de abóbora em calda cheirando à cravo da índia.
Isso tudo para nos agradar e ao senhor Milton, seu esposo, uma vez que o diabetes lhe proibia a ingestão de tais alimentos.
Quando sentia-se triste ou deprimida, era em nossa casa que procurava o chamego de que necessitava.
Conheciamos seu olhar de carência e de tudo faziamos para ve-la novamente sorrindo.
Inevitavelmente um dia ocorreu a sua partida. Olhares marejados seguiram pela rodovia o caminhão de mudanças que a conduzia para outra moradia.
A antiga casa que alugavamos, fora demolida.
Restaram as madressilvas e a coincidência de novos vizinhos no sobrado ao lado, ambos confeiteiros, que rescendem as tardes à doçura caramelizada de seus bolos feitos sob encomenda.
O cheiro adocicado que nos faz lembrar dona Geni, rompe sem o menor pudor aquele muro encoberto de madressilvas que jamais fora o mesmo desde o dia em que nossos adoráveis inquilinos tomaram novos rumos.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
31/08/2016 22:25 - Marcia Portella
Falar de suas crônicas e contos,é ver cada pedacinho da natureza pulsando em aromas,gostos,e saudades...Te abraço
29/07/2012 10:10 - Sunny [não autenticado]
Seu danado! E pra onde ela foi? Cheiro dos bolos, das madressilvas e o carinho para sempre... Amo sua saudade, suas estradas, seus passeios e adoro as suas letras. Sua amiga sempre, Sonia
02/03/2011 13:50 - Lenapena
Em sua pena, a sensibilidade da alma de escritor reproduz com fidelidade momentos e pessoas inesqueciveis. Que bela leitura fiz aqui, ate o aroma doce das flores pelo muro, senti. um abraço
01/03/2011 14:15 - Lisyt
Existem pessoas que se tornam inesquecíveis. Você soube captar com carinho a simpatia de D. Geni. Certamente ela também terá saudade do muro encoberto de madressilvas e do casal amigo que mora do outro lado do muro. Abraço
19/02/2011 15:34 - Kate Weiss
Pois é, algumas pessoas têm um cheiro inesquecível, é a mesma coisa que acontece com o cheiro de nossas mães. NInguém substitui aquele o cheiro do macarrão dela, que bom poder levar para a vidas estas lembranças felizes.
17/02/2011 00:06 - Maria Olimpia Alves de Melo
Ainda bem que não era minha vizinha: eu não iria resistir.
15/02/2011 23:29 - Malgaxe
Pode ter certeza que nem todas as boas coisas de nossa vida nasceram para serem eternas, mas nós humanos que somos, demoramos a aceitar o óbvio, o de que um dia haverá a separação, e assim por sermos humanos não temos a percepção de que o eterno existe na alma das pessoas, e estas serão nossas eternas cativas e nós delas. Grande abraço
14/02/2011 21:32 - Lilian Reinhardt
Há pessoas com cheiros inesquecíveis. A ternura e o calor de algumas tem colo eterno. Linda mensagem, varei por essas trilhas de madressilvas! Abraço grande!
14/02/2011 01:51 - Maria Dilma Ponte de Brito
Visualizei o rosto de D.Geni e as madressilvas (plantas que nem conheço) senti até seu perfume graças a arte de descrever do autor do texto. Adorei
.
13/02/2011 21:40 - Anita D Cambuim
Tem gente que nos cativa, e são tão sensíveis que ouvem o nosso coração dizendo o que não ousamos dizer em palavras. Gostei de saber da dona Geni. Que ela e seu marido estejam bem onde quer que estejam. Boa semana!
13/02/2011 20:28 -
O conto ficou emocionante, Iratiense. Contado assim, de modo simples e singelo, sonda o amor ao próximo de maneira gentil e primorosa. Excelente texto. Parabéns!
Da série:Meus tipos inesquecíveis
Chegaram numa tarde de sábado.Um casal de idosos,nossos novos inquilinos.
Iriam morar por algum tempo na casa que pertencera aos meus pais.
Meados de outubro,calor intenso,e tudo o que nos separava era um muro encoberto de madressilvas com aquele cheiro doce destilando-se ao sol da estação.
Juntos, minha esposa e eu, fomos dar-lhes as boas vindas.
Encontramos tão somente a nova vizinha. O esposo havia retornado com o caminhão de mudanças para buscar o restante das “tralhas”, segundo suas palavras.
Sentada num sofá, ladeada de trouxas, caixas, móveis desmontados e louças, a nossa inquilina fumava calmamente um cigarrinho.
Chamava-se Geni.
Uma expressão serena nos olhos esverdeados e a face gorducha iluminavam-lhe o sorriso cativante.
As palavras fluiam-lhe mansas, ternas...
A leveza de sua presença,(apesar dos seus quase 100 quilos),nos cativou de pronto.
Foi amor à primeira vista, ou à primeira visita...Algo semelhante ao reencontro com a mãe.
Um desejo quase infantil de colo , de chamego, de meter as mãos nos bolsos do avental, catar uma bala, um pirulito, e ser chamado de...Filho!
Disfarçadas as carências, fizemos-lhe perceber o nosso contentamento pela chegada e a promessa da bandeira da boa vizinhança.
E foi assim que transcorreram os quase tres anos em que o muro das madressilvas nos separou.
A inquilina mostrou-se o tempo todo, nossa segunda mãe. Cozinheira das boas, fazia questão de dividir conosco as suas iguarias. Assim, cena comum, era ouvirmos um chamado e aquêle sorriso gorducho insurgindo-se por entre as ramagens do outro lado do muro,com um “agradinho” feito na hora.
Eram pães, bolinhos de chuva, franguinho com farofa, e...Bolos!
Deliociosamente preparados pelas suas mãos habilidosas.
Encobertos por uma toalhinha, recebiamos fatias de rocambole, bolos de chocolate e bolos de fubá com sementes de funcho, além dos docinhos de abóbora em calda cheirando à cravo da índia.
Isso tudo para nos agradar e ao senhor Milton, seu esposo, uma vez que o diabetes lhe proibia a ingestão de tais alimentos.
Quando sentia-se triste ou deprimida, era em nossa casa que procurava o chamego de que necessitava.
Conheciamos seu olhar de carência e de tudo faziamos para ve-la novamente sorrindo.
Inevitavelmente um dia ocorreu a sua partida. Olhares marejados seguiram pela rodovia o caminhão de mudanças que a conduzia para outra moradia.
A antiga casa que alugavamos, fora demolida.
Restaram as madressilvas e a coincidência de novos vizinhos no sobrado ao lado, ambos confeiteiros, que rescendem as tardes à doçura caramelizada de seus bolos feitos sob encomenda.
O cheiro adocicado que nos faz lembrar dona Geni, rompe sem o menor pudor aquele muro encoberto de madressilvas que jamais fora o mesmo desde o dia em que nossos adoráveis inquilinos tomaram novos rumos.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
31/08/2016 22:25 - Marcia Portella
Falar de suas crônicas e contos,é ver cada pedacinho da natureza pulsando em aromas,gostos,e saudades...Te abraço
29/07/2012 10:10 - Sunny [não autenticado]
Seu danado! E pra onde ela foi? Cheiro dos bolos, das madressilvas e o carinho para sempre... Amo sua saudade, suas estradas, seus passeios e adoro as suas letras. Sua amiga sempre, Sonia
02/03/2011 13:50 - Lenapena
Em sua pena, a sensibilidade da alma de escritor reproduz com fidelidade momentos e pessoas inesqueciveis. Que bela leitura fiz aqui, ate o aroma doce das flores pelo muro, senti. um abraço
01/03/2011 14:15 - Lisyt
Existem pessoas que se tornam inesquecíveis. Você soube captar com carinho a simpatia de D. Geni. Certamente ela também terá saudade do muro encoberto de madressilvas e do casal amigo que mora do outro lado do muro. Abraço
19/02/2011 15:34 - Kate Weiss
Pois é, algumas pessoas têm um cheiro inesquecível, é a mesma coisa que acontece com o cheiro de nossas mães. NInguém substitui aquele o cheiro do macarrão dela, que bom poder levar para a vidas estas lembranças felizes.
17/02/2011 00:06 - Maria Olimpia Alves de Melo
Ainda bem que não era minha vizinha: eu não iria resistir.
15/02/2011 23:29 - Malgaxe
Pode ter certeza que nem todas as boas coisas de nossa vida nasceram para serem eternas, mas nós humanos que somos, demoramos a aceitar o óbvio, o de que um dia haverá a separação, e assim por sermos humanos não temos a percepção de que o eterno existe na alma das pessoas, e estas serão nossas eternas cativas e nós delas. Grande abraço
14/02/2011 21:32 - Lilian Reinhardt
Há pessoas com cheiros inesquecíveis. A ternura e o calor de algumas tem colo eterno. Linda mensagem, varei por essas trilhas de madressilvas! Abraço grande!
14/02/2011 01:51 - Maria Dilma Ponte de Brito
Visualizei o rosto de D.Geni e as madressilvas (plantas que nem conheço) senti até seu perfume graças a arte de descrever do autor do texto. Adorei
.
13/02/2011 21:40 - Anita D Cambuim
Tem gente que nos cativa, e são tão sensíveis que ouvem o nosso coração dizendo o que não ousamos dizer em palavras. Gostei de saber da dona Geni. Que ela e seu marido estejam bem onde quer que estejam. Boa semana!
13/02/2011 20:28 -
O conto ficou emocionante, Iratiense. Contado assim, de modo simples e singelo, sonda o amor ao próximo de maneira gentil e primorosa. Excelente texto. Parabéns!