“O REI REINA E NÃO GOVERNA” OU “NEM TUDO QUE É LEGAL É LEGÍTIMO”
Em meio à ebulição noticiosa dos últimos dias, alguém citou Tobias Barreto, quando este afirmou que nem tudo que é legal é legítimo.
Barreto foi ensaísta, filósofo, jurista e poeta sergipano, viveu entre 1839 e 1889. Vida curta, como se vê, todavia suficiente para não passar despercebido entre filósofos e pensadores de várias áreas do conhecimento.
Contestou correntes jurídicas e reverenciadas, inserindo nelas ideias filosóficas, polemizando e questionando posicionamentos da época. Na poesia, alguns críticos literários não o destacam como grande poeta, talvez levados por alguma forma de preconceito, já que a rejeição foi uma tônica na vida de Tobias Barreto.
É certo que, conforme acontece com todos os poetas, há na obra dele poemas de relevância menor, mas também há, sem dúvida, composições de grande qualidade, que poderiam figurar em famosos compêndios literários, não fossem alguns interesses escusos. Sempre os houve, tal qual hoje os há.
Importa-nos agora a afirmativa de Tobias, tão cabível e aplicável na atualidade: “Nem tudo que é legal é legítimo”. Referia-se ele à escravidão, fato autorizado por lei humana da época, porém condenado pela lei divina e pela civilização.
Na atual situação brasileira, a ilegitimidade afronta drástica e penosamente a população, tornando-a escrava de manobras e tramas desonestas e infindáveis. O Congresso tem legitimidade, mas não tem credibilidade. Isto o torna filosoficamente ilegítimo, embora legal. O povo o legitimou pelo voto e a lei o protege, eis a espada no peito dos cidadãos.
Não é possível extinguir a corrupção, porque nem o Congresso nem a Constituição oferecem-nos um caminho limpo pelo qual o país possa despreocupadamente seguir.
Em todo o mundo, comprovadamente, nunca houve um país tão corrompido. Nem mesmo a Itália, que fora tão assolada pela corrupção, conseguiu feito maior que o Brasil no quesito roubalheira aos cofres públicos.
A República brasileira está tão mergulhada em incertezas, que chegamos a pensar que até hoje não a proclamamos. Triste conclusão: ainda não proclamamos a república!
Quase todos os partidos, se não forem todos, juntaram-se num conluio, para que a corrupção seja mantida na pátria brasileira. Vemos todas as bolsas de valores despencando e as consequências disso desabando sobre a população. Não há como nos proteger dos desvarios, pois as leis fogem aos interesses e necessidades do povo. Elas nos escapam, feito bagres escorregadios, em suas filigranas. Protegem governos ilegítimos e políticos desonestos.
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Sem a poesia de Tobias Barreto, mas com a ajuda da sabedoria filosófica e social dele, afirmamos que nossos representantes são ilegais, embora lhes tenhamos dado o voto de legitimidade. Tobias estava certo, nem tudo que é legal é legítimo.
Dalva Molina Mansano
20.05.2017
10:05
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O Rei Reina e Não Governa
(Tobias Barreto)
Não sei porque a língua humana
Os brutos não falam mais,
Quando hoje têm melhor vida.
E há muita besta instruída
Nas ciências sociais...
Ultimamente entenderam
Que tinham também razão
De proclamar seus direitos,
Pondo em uso os bons efeitos
Que trouxe a Revolução...
"Seja o leão, diz o asno,
Um rei constitucional;
Com assembléias mudáveis,
Com ministros responsáveis,
Não nos pode fazer mal.
Fiquem-lhe as garras ocultas,
Não ruja, não erga a voz,
Conforme a tese moderna
Qu'ele reina e não governa,
Quem governa somos nós...
Todas as bestas da terra,
Todas as bestas do mar,
Tenham os seus delegados,
Sendo os ministros tirados
Do seio parlamentar...
(...)
Só vejo, que bem nos quadre
No trono, algum animal,
Que coma e viva deitado:
O porco!... Exemplo acabado
De rei constitucional..."
1870
Publicado no livro Dias e Noites (1881). Poema integrante da série Parte V - Satíricas.
In: BARRETO, Tobias. Dias e noites. Org. Luiz Antonio Barreto. Introd. e notas Jackson da Silva Lima. 7.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Record; Brasília: INL, 1989. p.299-300. (Obras completas)