LEMBRANÇAS DO CASARÃO

Olhou para um lado, para o outro e se viu sozinho novamente. Não era a primeira, nem a segunda vez que isso acontecia. Dizer que acostumara com a ideia, não podia dizer. Todos se foram – sentiu o casarão totalmente vazio. Adotou um cão, depois mais outro, pássaros, peixes e plantas. E um monte de costumes que nunca tivera antes.

Vasculhou cuidadosamente cômodo a cômodo do casarão e um vazio, assim como o que acabara de ver, também tomou os seus sentimentos. Pensou: cada um tem que seguir a sua própria vida – são as escolhas. Ele também fizera uma escolha (e cada escolha traz consigo uma consequência). E, para não sentir-se totalmente vazio, fez as adoções acima: animais, plantas, costumes desnecessários. E por alguns foi apelidado de ‘o senhor estranho’.

Pôs reparo no casarão – lembrou-se do Bruxo do Cosme Velho (preparou um velho latão onde queimava suas correspondências, seus escritos/rabiscos e documentos que não usaria mais): fez ajustes e mais ajustes que achou necessário (e desnecessário) – desde mudanças de portas, de cômodos, de mobília, de lustres e, por fim, até das cores das tintas nas paredes. Algumas verbas foram tiradas do bolso para os reparos, outras ele mesmo as fez. E, se alguém falava alguma coisa, retrucava logo a seguir – como sempre fizera em qualquer assunto.

Um aparte: para quem não conhece a história do citado acima – Bruxo do Cosme Velho – refere-se ao escritor Machado de Assis, que está entre os maiores escritores brasileiro e fundador da Academia Brasileira de Letras. A origem do termo não é certa: a estranheza causada por um hábito de Machado causou um burburinho na vizinhança, e agora ganhou o mundo eternizado por Carlos Drummond de Andrade quando fez uma homenagem ao escritor em questão. Segundo a doutora em Literatura Brasileira, Deise Freitas, o autor gostava de queimar as cartas, manuscritos e documentos acumulados no jardim de sua casa, mas não com métodos discreto: os papéis eram incendiados num caldeirão de bronze.

Os vizinhos, assim como fizeram com o cidadão Machado de Assis, estranharam o fato de, vez ou outra, sair grandes quantidades de fumaça dos fundos do casarão que, em situações urbanas, preenchia o meio da quadra. Aos poucos, também, foi se distanciando das conversas diárias que mantinha com antigos moradores. Foi se isolando, mas cada vez mais os agentes dos Correios frequentavam a sua casa com grandes quantidades de envelopes – de todos os tamanhos, e embrulhos variados. (devia ser o material enviado, e descartado, que passava pelo fogo!)

Determinado ano, próximo à metade do último mês do ano, o casarão tomou cores diferentes e luzes de Natal foram instaladas por toda a fachada – situação que há amis de década não acontecia. No jardim, alguns bonecos foram instalados com a representatividade do ato natalino – mas o que mais chamou a atenção e que não me esqueço desde que vi, foi o enorme castelo que foi fixado no meio do jardim, ao lado das imagens natalinas. E tal castelo fora feito todo em peças de plástico que crianças gostam de brincar para montar as mais diversas cosias. Fiquei imaginando quanto tempo e a quantidade de peças que tivera que usar...

Tais lembranças do casarão nunca passaram da minha mente e hoje guardo comigo o desafio de criar – num futuro breve – um castelo como o do casarão. E fico a imaginar como as crianças aqui de perto se sentirão ao ver tal maravilha! Espero não perder tais memórias... 18/05/2017

Prof Pece
Enviado por Prof Pece em 19/05/2017
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