Tais são as coisas deste mundo
De forma interessante, o historiador Ládmo Valuce – escrito assim mesmo, com acento agudo no “a” – registra a irônica e nostálgica comunicação epistolar do ex-regente do Império padre Feijó, como revolucionário, com Luís Alves de Lima e Silva, então barão e futuro duque de Caxias, como comandante do Exército, na revolta liberal paulista de maio de 1842. Feijó escreveu: “Quem diria que o Sr. Luís Alves de Lima e Silva seria obrigado a combater o Padre Feijó? Tais são as coisas deste mundo!” E Caxias, de pronto, lhe respondeu também por carta: “Quando pensaria eu que teria de usar a força para chamar à ordem o Sr. Diogo Antônio Feijó? Tais são as coisas deste mundo!”
Pois bem. Manhã de 18 de maio de 2017. Leio no G1 que o ministro Edson Fachin, relator no Supremo Tribunal Federal da chamada Operação Lava Jato, decretou o afastamento de Aécio Neves do cargo de senador da República, bem como a prisão de Andrea Neves, irmã e assessora do senador, por suspeitas de corrupção.
Sei que Aécio Neves e Andrea Neves, sua irmã, têm direito, na forma da Constituição e da lei, ao contraditório e à ampla defesa, bem como gozam da presunção de inocência até o trânsito em julgado de eventual condenação, após o devido processo legal. Os indícios, todavia, parecem fortes e geram, por isso mesmo, profunda indignação, exceto, talvez e obviamente, nos seus correligionários.
Nascido em 1960 e tendo, por conseguinte, vivido a infância, a adolescência e grande parte da juventude debaixo da ditadura militar instaurada em 1964, lembro-me imediatamente do avô deles, senador Tancredo Neves, símbolo heroico da resistência e sinônimo de reserva moral nos anos dourados de esperança da minha juventude. Puxa vida, quando pensaria Tancredo Neves que atos – ou, pelo menos, indícios de atos – praticados por netos seus levariam a tanto? Nunca! O homem íntegro que ele foi jamais pensaria isso.
Impossível não me lembrar também no mesmo instante da empáfia de Aécio Neves e seus seguidores ao longo de todo o processo de impeachment da presidente da República Dilma Rousseff (e mesmo depois dele). Da empáfia e da responsabilidade direta deles todos no caso. Seriam santos do pau oco? Aliás, sem demérito ao bom e respeitável povo mineiro, registro aqui que, embora haja controvérsia sobre o assunto, atribui-se a origem dessa expressão – santo do pau oco – a Minas Gerais, nos tempos históricos da cobrança do quinto.
Tenho ojeriza a bandido que posa de autoridade. Bandido é bandido e tem de se pôr no lugar dele, nada de se travestir de autoridade. É por essa e outras razões que eu digo que, em Marabá e tantos outros lugares do Brasil, boi voa disfarçado de pombo. E voa mesmo, embora alguns – santinhos do pau oco também – não gostem que eu o diga. O Brasil é um país de políticos bandidos, graças à população hipócrita, que os elege, promove e sustenta.
Parodiando Lúcio Flávio Vilar Lyrio, tristemente famoso assaltante de bancos dos anos 1960 e pouco a 1970 e pouco, podemos dizer: "Bandido é bandido, autoridade é autoridade. São como água e azeite. Não podem se misturar." Ocorre, todavia, que, como já escreveu Afonso Romano de Sant’Anna: “Nem sempre bandido é bandido e nem sempre polícia é polícia. Tudo depende das testemunhas e de quem é o escrivão de plantão na delegacia da História.”