CAUSOS DE VELÓRIO (SEM TEMPÊRO !)

Edmundo, o "Mundico", é o fiel esposo de Cândida, a "Nhá Candinha", que de candura tem muito pouco.Pelo contrário,é tinhosa, caboclinha do sangue quente e "aduba o lombo" de Mundico na maioria das vezes em que êste aparece de porre no recesso sacrossanto de seu lar.
[Candinha adora este jargão que ouve diariamente numa rádio local]
Magrinha,olhar enferuscado,sempre de lençinho à cabeça,costuma postar-se defronte ao casebre onde moram rastreando a linha do horizonte para certificar-se de quando o Mundico vem "tocando os gansos" como costuma dizer.
Quando isso ocorre , e é  muito frequente, o pau come! Sempre com larga vantagem para a tinhosinha da pá virada.
Atributos é o que não faltam à Nhá Candinha.Cozinha muito bem. O trivial, é claro, mas com capricho e um tempero especial.
Cuida com zelo do ranchinho e dispensa um carinho todo especial quando da lavagem das roupas.
Num certo dia, tendo cuidado dos afazeres, tomou os panos de pratos, lavou-os e os colocou num balde a ferver com água e sabão. Após um longo dia de trabalho, já muito exausta, atirou-se na  cama e caiu num sono profundo.
Mundico,que passara a tarde "bebendo tôdas" , cambaleante, segue "para o sacrossanto recesso de seu lar".Tarde quente,
meados de outubro, uma passada errada aqui, outra acolá, de repente...
Poft!
Cai estatelado ao barranco debaixo de um viçoso e florido pé de cinamomo.
Adormece!
Tem sonhos encantadores.O odor adociçado das floradas do arvoredo, trazem-lhe às narinas a Candinha, menina moça , com seu "cheiro de baile".
Ao acordar depara-se com uma lua cheia belíssima iluminando a campina.Levanta-se e, ainda errando passadas, acaba chegando em seu rancho.
É noite alta,tudo está muito quieto então,lhe vem em pensamentos...
-Se eu não fizer barulho,Candinha não me vê chegar e consequentemente não me senta o braço.
Pé ante pé,ainda meio tonto, faminto,adentra e, sem acender a luz dirige-se ao fogão.
Cândida ronca no quartinho ao lado.
Tateando no escuro, o bêbado se dá conta do caldeirãozinho de feijão, do qual serve-se e percebendo ao lado dêste um grande panelão, mete o garfo sentindo estranhamente o peso de algo que vem fisgado.Passa a mão e leva aquela coisa à boca.Mastiga, puxa com os dentes e...Nada.
Apenas algo sem sabor,rijo e insosso.
Que comida mal feita!...
Candinha está ficando desmazelada,pensa com seus botões.Tenta outra mordida,e...Nada.Acaba por comer só o feijãozinho de caldo grosso.
Manhã do dia seguinte:
Enfurnada, a esposa empurra-lhe com grosseria o prato de polenta frita que acompanha o café da manhã.Mundico serve-se e com ar pensativo dirige-se à tinhosa:
Candinha, não me leve a mal, mas daqui pra frente quando fizer courinho de porco com feijão cozinhe-o melhor , jogue sal e uns temperinhos por cima.Aquêles que você me deixou ontem à noite,estavam em pedaços muito grandes, rijos e sem sal.Com perdão da palavra: Tinham gosto de sabão.Credo! Desculpe-me,mas não consegui come-los.
Um ar vingativo desenha-se no sorrisinho diabólico da magricela.
Postada na soleira da porta, espiando a galinhada no terreiro, entre uma baforada e outra no cheiroso "tietê" do fumaçento palheiro que traz na boca, dá uma ajeitada no vestido de chita,  pucha os cabelos para um lado só e numa voz quase gutural responde ao marido:
_"Vô pensá no teu caso Mundico!...Vô pensá com carinho!
Ah! Se vô...
Joel Gomes Teixeira

Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:




18/07/2012 07:28 - carlos Lopes [não autenticado]
Amigo, seu conto é impecável. Quem começa a ler vai até o fim. Não dá pra virar a página. Divertido e bem elaborado. Parabéns.


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10/05/2010 17:15 - Lilian Reinhardt
Que delícia de conto, viaja-se pelos caminhos consigo em sua narrativa, tão clara, concisa, verdadeira,como uma pintura vai se delineando palmo a palmo com a lírica do enredo humano que o poeta colhe da realidade, parabéns! abração!


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04/05/2010 12:50 - dimitriguimaraes
PARA QUEM FAZ DO ALCOOL ALIMENTO. SABAO PARA MAL O HÁLITO / HÁBITO! ABRAÇOS


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18/04/2010 22:40 - Lisyt
Pano de prato escaldado será que cura ressaca? Ou a vingança é "pano de prato" que se come frio? Gostei do ritmo do conto. Abraços bem humorado.


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16/04/2010 18:45 - josé cláudio Cacá
Um paninho de prato com sal será que fica bom? Pra bêbado... hahahaha! Genial, Joel! Abração.


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16/04/2010 08:26 - Helena da Rosa
É, Joel!O que que a pinga não faz hein?! rsrsrsr Muito boa crônica, como de costume. Parabéns, um lindo dia pra ti. bjs helena


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14/04/2010 21:42 - Rosso
Mundico mastigou o que merecia e a Candoquinha, mesmo dormindo, fez valer o seu domínio. É um causo sério essa "marvada". Por sinal, meu amigo, se um dia vier a Curitiba me avise pois ganhei ontem uma cachaça que, dizem, é muito especial : Anísio qualquer coisa. Podemos tomar uma "talagada" (com moderação) . Valeu .


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12/04/2010 20:16 - Giustina
Será que fiquei burra? Não atino no que tinha naquela panela... Era a "mescola" da polenta? Adoro te ler, mas desta vez fiquei voando! Abraços!


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12/04/2010 19:00 - Rejane Chica
Uma comidinha bem especial aquela dele,credo!!rsrsr Legal!abração,chica


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12/04/2010 15:50 - Dante Marcucci
É, amigo...a "marvada" faz cada coisa...Bem contada. Parabens, como sempre. Um abraço


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11/04/2010 23:28 - geraldinho do engenho
kkkkk muito bem amigo ainda bem que passou feliz desta vez sem receber uns cacudos.P.S. você viu como nossa amiga Coceição tembem sabe ensinar um cachorro? Eu só espero que fique só na respiração boca a boca,e que não venha concorrer com a ucraniana separar café com leite também! Um abraço amigo, estou feliz por estar nos brindando novamente com seus textos maravilhosos!


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11/04/2010 22:16 - Anita D Cambuim
kkkk quem come no escuro corre certos riscos...kkkk. Boa semana, Joel.


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11/04/2010 16:20 - Davi Leal
Quem bebe têm que ter cuidado redobrado!Parabéns pelo conto.


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11/04/2010 16:10 - Celêdian Assis
É Joel, com mulher brava não se pode desdenhar mesmo, "tretou, relou, o pau comeu" e se não comer o pau no sujeito matreiro, pode esperar, que ai vem outra vingança "malígrina", como dizia o personagem Bento Carneiro. Adorei o ritmo de seu conto. Um grande abraço