Assim ou ...nem tanto.92
Literatura
Era um mundo de palavras. Entrava-se pela que escolhêssemos e ficávamos a pedir que fosse bastante para nos levar ao interior daquele mundo, parte festa, parte anarquia, muito de dor e de nostalgia. Havia palavras, palavrinhas, palavrões, letras miudinhas manuscritas cuja fonte era a caneta do tímido, da donzela acanhada, o lápis do avarento a poupar papel. Outras, arrogantes, de tão fortes, gastavam as paredes para dizer, aos gritos, um insuportável recado. Morte ao vento, morte à água, viva a fome dos que deambulam sem rumo. Matem-se os loucos, os poetas, os amantes diziam letras ferozes, ásperas de tinta urticante, feitas por trinchas venenosas. E era tudo uma escrita à Plínio Marcos, oscilante de força, de conteúdo, de som como se aquela baralhada de letras, tipos, registos, pudesse ser a vida de leitores, estudiosos, professores, homens sem talento, crianças desajustadas. E tu, ainda doce, expectante, à minha espera perto de z de Zacarias, do fim previsível desta memória de português correto, arrevesado, sem acentos nem tecto, assim, vagabundeando por parágrafos incompletos, frases eróticas, sinais de inferno onde tantos ainda se gastam em corpo e espírito, em letras por pagar, em compromissos jurados para esquecer a seguir. Olho e ainda estás na rua inglesa, às voltas com o sentido da simplicidade, cansada do bairro mandarim onde os ideogramas, requintadamente pintados ou impressos sobre papel de arroz continuavam a falar tudo e a não dizer nada que pudesses perceber. Sorriam, um sorrir próximo, parecido, sem garantir absolutamente nada. Chegaste por intuição à ladeira dos descontentes e gritas. Gritas numa língua quase basca e se não fosse eu a romper todas as coerências acabava-se-te a vida em negro ali no meio das caixas com os tipos de chumbo a derramar-se no vazio. Éter, se diz, e está cheio de nadas mensuráveis.