O homem que matou o Papa
"Adão morrerá no dia em que comer da árvore da ciência do bem e do mal." Gn 2:17
Deus estava morto bem antes de eu terminar a leitura da bíblia, quando tinha doze anos. Mas a esperança na sua ressurreição durou até o terceiro dia, após conhecer a ciência. Eu dormia pacientemente na praça do Vaticano, embora houvesse um movimento absurdo naquele dia na santa sé, pois era um dia destes que o Papa sai em carreata no Papa-móvel. Olhei o relógio, passava das quatro horas da tarde, muito movimento nas ruas, as pessoas dirigiam-se apressadas para a praça São Pedro no vaticano. Olhou novamente para as roupas dos transeuntes e para a sua para certificar que não estava chamando atenção.
Sabia que eram quatro tiros, um na mão, um no braço e dois no tórax. Olhou bem a noticia do jornal antes de deixar o hotel no centro de Roma, tomou um táxi, caprichou no italiano para mostrar-se nativo durante a viagem, mas o motorista lhe identificou o sotaque, mas confundiu com Espanhóis. Disse que nascera em Salamanca, mas saíra de lá ainda jovem para morar na Sicília.
Agora estava como um dos fieis. Era dia treze de maio de 1981. O relógio de pulso já estava com a hora de Roma, pouco mais de 17 horas. Desta vez não teria erro. Aproveitaria o momento de fúria do turco Mehmet Ali Agca, e nesta investida de tiros, eu mataria o Papa, e culpariam a ele. Total, ele seria condenado a prisão perpetua, e eu estaria curtindo as ilhas paradisíacas da Indonésia com os dólares recebidos. Uma coisa ainda me angustiava, a estreita relação com a CIA, poderia ser um forte indicio que não escaparia desta. Mas eu viera de longe, já tinha passado por uma enorme encrenca até ali. A CIA estava alerta, desde o atentado contra Reagan em fevereiro.
Às dezessete horas e quatorze minutos, estava a postos, com minha pistola de longo alcance, com um visor nos óculos, desenvolvido pelos americanos no inicio do século XXI. Nem precisei tirar a arma do meio do jornal. Estava numa elevação. Quando Agca levantou seu revolver no meio da multidão meu jornal estava de prontidão. No visor esquerdo de meus óculos a imagem do peito do Papa. Enquanto uma multidão se ajuntava em torno do Papa, uma freira agarrava o assassino Agca eu escapava de fininho e tomava um táxi rumo ao hotel.
Na manhã seguinte, uma quinta-feira cinzenta, Fátima me apunhalava pelas costas, quando os jornais noticiaram que uma cruz de metal, junto ao peito do Papa, salvara o pontífice da morte, de um segundo atirador presente na Praça de São Pedro. Agca estava preso e a CIA estava atrás de pistas do segundo atirador. Deus estava vivo de novo. Era imortal, mais uma vez tentava me pegar. Desesperado vaguei pelo quarto e cheguei a janela, estavam mais de mil agentes americanos lá fora. João Paulo II perdoou Agca e até o visitou na prisão. E eu? Teria também o perdão? A TV anunciava a morte do Papa, falavam em português. Português? Vislumbrei a janela e voaria por ela, pois, já chegaram a mim, batiam na porta e gritavam. Parei no chão caído do sofá.
A tv noticiava a morte do Papa, no dia dois de abril de 2005. Aos 84 anos, 24 anos depois. E eu com uma raiva crescente, até isso não me deram oportunidade, mais uma vez mataram o Santo sem mim. Envenenaram um, mataram outros e eu sempre de fora. Mataram deus, e eu não estava lá. Tirei deus do armário e mandei-o embora, mas de avião com escala em congonhas.