Mãe nunca desliga
“Mãe!” — O som sai nasalado e curto, um autêntico monossílabo. O clima de indefinição do próximo instante, no entanto, revela um tom que ela entende como de súplica infantil. Mais ou menos assim: mããããããããããããe!
Mães. Desliguem as mães antes de sair!
Não adianta, mãe nunca desliga; mãe é movida à energia cósmica, a algum tipo de... “o que foi, filho, por que está com essa carinha assim, vou fazer um chazinho procê quando chegar em casa...”Estão no play com alguns moradores do condomínio e diante do elevador quebrado, mas o adulto de dezesseis anos incompletos logo foge, se antecipando escadas acima: “Se ficar é mico. Melhor, não!”
Foge para o seu quarto, para lugar nenhum, para as famigeradas redes sociais. Em casa, é apenas o estrangeiro que tem laços de sangue com o resto da família. O resto da família é ela e o cachorro.
Ela desce duas vezes ao dia com o parente que lhe restou: às cinco da manhã e no final da tarde. Aproveita esses momentos corridos para botar o papo em dia com o Osvaldo, comprar a ração do Osvaldo, levar o Osvaldo ao veterinário... porque todo o tempo restante é ocupado com aquele que, logo logo, precisa ser acordado para o colégio e, à tarde, faz natação, curso de inglês, academia...
Para não haver atrasos, já dorme com o uniforme de mãe. Na verdade, tem vários, um para cada dia da semana ou para eventos imprevistos e inoportunos. Outro dia mesmo, carregava pedras enquanto descansava para reforçar o seu magro orçamento doméstico de pensionista, quando recebeu uma estranha ligação do colégio. Precisava ir às pressas lembrar àquele rapaz que o intervalo do lanche já tinha acabado há um tempinho, que estavam na aula de Biologia. Ela foi, mas de cara ouviu um sonoro “pô, mãe, é mico, mãe! ”
Lembrar que as pessoas tomam banho, que precisam baixar a tampa do vaso sanitário ou que não existe sanduíche de ketchup, isso tudo é fichinha perto do que deve ser para alguém que foi criado na base do liga-desliga e ter que permanecer agora em eterno stand by.