O anônimo rapaz que caminhava à minha frente
O Centro antigo de São Paulo exerce sobre mim um fascínio incrível: sinto-me “em casa” quando circulo pelo Largo do Arouche, Praça da República, Avenida São João, Rua Sete de Abril, Barão de Itapetininga... A lembrança dos meus pais, da minha infância e da juventude também.
Ah, as floriculturas do Largo... Eu as admirava com seus vendedores de plantão 24 horas à espera de rapazes apaixonados querendo render homenagem à amada. Ou de alguém querendo presentear uma pessoa querida. As flores, sempre as flores.
Também sonhava morar no hotel Saint Michel, aquele lugarzinho agradável escondido atrás de antigas e frondosas árvores, embutido no meio de prédios bem mais altos do que ele, mas que não lhe tiram o charme peculiar. Arouche...
Enfim, amo essa cidade: a tresloucada, desvairada Capital que intrigou Caetano a ponto de lhe render glórias com sua música “Sampa”, quase um hino à Capital. Mas antes vieram outros, especialmente Adoniran com sua simplicidade e amor a essa terra. Assim, quando chego em São Paulo sinto-me bem; um certo orgulho me faz brilharem os olhos ao falar sobre esse lugar tão amado, tão promissor, mas tão exigente também.
E quando recebo alguém de fora, sinto-me feliz em poder levar a conhecer e em compartilhar esse meu sentimento. Foi o que fiz ao levar os Confrades Jotajota, Daniel Brasil e Joyce, que antes de tudo considero amigos. Senti que se agradaram dos lugares que visitaram; mais feliz fiquei ainda quando, com Marly e Eliene, fomos almoçar n’O Gato que Ri (e quem não conhece, pasme, o gato que lá vivia parecia rir mesmo), antigo restaurante italiano localizado no Largo do Arouche. Como o almoço se prolongava e eu teria que descer a serra da Anchieta sozinha, preferi me despedir deles dentro do próprio restaurante e voltar ao hotel para apanhar as malas. Mas eis que “no meio do caminho”...
... Algo me chamou a atenção: ao passar pela Praça Júlio Mesquita, ponto de encontro das mais diversas “tribos” e frequentada por pessoas usuárias de todo tipo de “química”, um garoto aparentando treze anos dormia na calçada talvez sob o efeito de uma dessas drogas, oprimido pela droga maior, a fome que o fazia dormir. Seguia na minha frente um rapaz bem apessoado que, discreta e respeitosamente, se abaixou e colocou ao lado do garoto que dormia uma vasilha tampada, com uma refeição e um garfo de cabo cor de laranja.
Não me contive: chamei o jovem que parecia querer ficar anônimo em seu ato, perguntei-lhe sobre o que fizera e o cumprimentei pela atitude. Ele sorriu, seguiu seu caminho e eu fui para o hotel finalizar a minha estadia em Sampa.
Entrei no carro e segui em direção a Santos. O coração, esse ficou naquela praça hoje tão miserável, mas que ainda vê passar pessoas nobres e de alma bondosa como o anônimo rapaz que caminhava na minha frente...