Abolição:
           Dragão do Mar, Zé do Pato e Isabel

     1. Por que chamam o Ceará de Terra da Luz? Para uns, porque, no Ceará, o sol brilha, so-be-ra-no, o ano todo. Fosse só por isso, melhor seria chamar a terra de Rachel de Queiroz de Terra do Sol.
     2. Estudos aprofundados, entretanto, dão outra versão, que me parece mais acertada. Os historiadores dizem que, visitando Fortaleza, José do Patrocínio, o Zé do Pato (1853-1905), em inflamado discurso, chamou o Ceará de Terra da Luz, homenageando a primeira província do Brasil a libertar os escravos.
     3. O escritor cearense Raimundo de Menezes (1903-1984), no seu livro A Vida Boêmia de Paula Nei - hoje só encontrado nos sebos, o que considero uma vergonha -, conta como foi a chegada do Tigre da Abolição na capital alencarina.
      - "Recebidos entre festas retumbantes, Paula Nei (poeta cearense) e José do Patrocínio foram, em Fortaleza, carregados em delírio pela multidão, ao final dos comícios eletrizantes".
     4. Prossegue Raimundo de Menezes: "Numa das suas formosas orações, o Zé conferiu ao Ceará o título de Terra da Luz! Era como se o céu tivesse vindo abaixo. Foi um deus-nos-acuda".
     5. O Ceará libertou seus escravos no dia 25 de março de 1884, ou seja, quatro anos antes da Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, que é de 13 de maio de 1888.
     6. Vale, porém, lembrar, que bem antes, mais precisamente, desde 30 de agosto de 1881, "não mais se embarcavam escravos nos portos cearenses" por determinação de um indômito jangadeiro cabeça-chata chamado Francisco José do Nascimento, o lendário Dragão do Mar.
     7. Quando estamos nos aproximando da festa da Abolição - dia 13 de maio de 2017 - , retornei a um dos mais bonitos textos sobre a solenidade de assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel.
     O texto é do escritor maranhense Viriato Corrêa (1884-1967), extraído do seu belíssimo livro História da Liberdade no Brasil , também dificilmente encontrado nas nossas livrarias, o que é uma pena.
     8. Descreve Viriato: "O dia 13 de maio de 1888 era um domingo. Dia festivo. A natureza parece que teve o capricho de tomar parte na festa da liberdade, apresentou um sol maravilhoso, um céu do mais lindo azul, uma temperatura agradável como as temperaturas de primavera".
     9. "Três horas e oito minutos" - prossegue Viriato - Sua Alteza Imperial , D. Isabel, "acompanhada do seu marido, o Conde d'Eu, entra na sala do trono".
     10. "O Conselheiro Dantas aproxima-se da soberana. Pronuncia algumas palavras e entrega-lhe o autógrafo em que está escrita, sobre pergaminho, na bela caligrafia de Leopoldo Heck, a lei de extinção do cativeiro no Brasil.      Isabel está emocionada. Tremem-lhe as mãos, treme-lhe a voz. Ofertaram-lhe, em nome dos negros, um belo ramo de camélias". 
     11. "E passa ao salão próximo, onde há mesa, tinteiro e pena para a assinatura da lei.
     E a Regente  vai lançar o nome no pergaminho, quando, em nome do povo, lhe entregam uma caneta de ouro, cravejada de pedras preciosas. E é com a bela caneta de ouro que ela assina a lei que a Nação enternecida cognominou de "áurea".
     12. Após a assinatura - narra Viriato -, Zé do Patrocínio surge no salão, e, aos gritos, clama: "Meu Deus! Meu Deus! Já não há escravos em nossa terra..." Em seguida, o Tigre da Abolição "cai aos pés da Princesa Isabel, beijando-os religiosamente".
     13. Ainda sobre Patrocínio, escreve Corrêa: Erguido do chão pelo Conde d'Eu, Zé do Pato fala durante minutos "num arrebatamento que inflama corações.
     Era um vulcão de entusiasmo, a despejar lavas de imagens que provocavam incêndios naquelas almas jubilosas. Não houve ninguém que não sentisse os olhos ensopados de lágrimas".
     14. E o que aconteceu, após a assinatura da Lei Áurea? Diz Viriato: "Festas nas ruas, festas nos corações. Festa no coração dos negros, que ficavam livres do cativeiro que os atormentava. Festa também no coração dos brancos, que livres ficaram da nódoa que lhes desonrava a Pátria".
     15. "Festa no coração dos negros, que ficavam livres do cativeiro que os atormentava".      Olha, admitem alguns seguimentos da sociedade brasileira que a Lei Áurea nunca alcançou a esperada eficácia.
     A Lei Áurea está em vigor, veio depois a Lei Afonso Arinos (Lei 1390 de 3 de julho de 1951) mas, de repente, a discriminação racial acontece!
     16. Mas, a cada 13 de maio, há de se lembrar e louvar os esforços dos que, no passado, lutaram pela abolição da escravatura. Entre eles, José do Patrocínio e o intrépido jangadeiro cearense Dragão do Mar, que viu, em sua terra, os escravos livres, muito antes da Princesa Redentora sancionar a gloriosa Lei Áurea...

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 11/05/2017
Reeditado em 15/05/2017
Código do texto: T5996295
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